Friday, January 28, 2011

Quando o assunto é África...


Fábio Zanini
24 / 01 / 2011

O Egito é o próximo?

As últimas semanas transplantaram para o norte da África uma tese que já esteve em voga no Sudeste Asiático, Leste Europeu e América Latina, sobretudo no auge da Guerra Fria: a teoria do dominó.

Diz a tese que a queda do ditador da Tunísia há duas semanas provocará algo semelhante em regimes totalitários na região. O próximo a passar por uma revolução democratizante já está escolhido: seria o Egito.

Isso sim seria um terremoto geopolítico. A Tunísia é inspiradora e simbólica, sem dúvida, mas periférica do ponto de vista geográfico, econômico, militar e populacional. O Egito tem 80 milhões de habitantes e a capacidade de mudar o panorama do Oriente Médio. Nada na região se decide sem sua opinião.

Mas realmente há condições suficientes para um repeteco?

À primeira vista, sim: um regime autoritário, um ditador decrépito no poder (Hosni Mubarak, há longos 30 anos), uma bomba populacional prestes a entrar em ignição: sem emprego nem perspectiva, o número crescente de jovens zangados só pode mesmo explodir em cima dos governantes.

Em tese, portanto, Mubarak tem de se coçar, e rápido, antes de ser a Maria Antonieta da vez.

Na vida real, é bem mais complicado, e se tem uma aposta que eu faria (e que eu gostaria, honestamente, de perder) é de que a hora de Mubarak ainda não chegou.

Colocar Tunísia e Egito no mesmo saco apenas porque são árabes é como igualar Brasil e Argentina apenas porque são latino-americanos.

Primeiro, porque o Egito é “grande demais para mudar”, parodiando a expressão que ficou famosa durante a última crise financeira, em que bancos não fechavam porque eram “grandes demais para falir”.

O Egito é aliado dos EUA e, visto do Pentágono, é um bastião de estabilidade numa região conturbada.

Mesmo que essa estabilidade seja na base da porrada, e mesmo que a mudança seria para melhor, haveria inevitavelmente um período de incerteza (como o que vive agora a Tunísia). Esse curto período seria perigoso demais, segundo a tese dominante em capitais ocidentais.

Segundo, o Egito tem uma “desculpa” que vem a calhar para se manter repressor: do outro lado estão os islâmicos da Irmandade Muçulmana. Noves fora o fato de a maioria desse grupo negar o fundamentalismo, eles assustam o suficiente. Seu pedido de democracia, de “um homem, um voto ,“é repelido com uma expressão carregada de sarcasmo: “um homem, um voto, uma vez”.

Ou seja, a democracia (um homem, um voto) seria a porta de entrada para levar ao poder regimes que logo depois aboliriam o sufrágio universal, a democracia.

Na Tunísia, lembremos, nunca houve nada que se assemelhe a um movimento islâmico forte.

O Egito, também, não tem classe média forte e secular como na Tunísia. Ironicamente, algo que é um tributo ao governo que acabou derrubado.

Por fim, como disse a última edição da revista britânica Economist, a repressão total à imprensa tunisiana (ao contrario da egípcia, que é um tanto mais livre) tirou do governo um mecanismo de aferição do nível de descontentamento social. Quando perceberam o tamanho da crise, já era tarde. Mubarak tem mais mecanismos de fazer jogadas populistas antes que o tsunami ataque.

Por isso, a tese de que o Egito é o próximo, é muito simpática. Mas ainda pago para ver.

Escrito por Fábio Zanini às 23h22

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