Cega-Rega
É difícil. Isto de começar num montouro e só parar na crista dum castanheiro, tem que se lhe diga. É preciso percorrer um longo caminho. Embrião, larva, crisálida... Todas as estações do íngreme calvário da organização. Animada pelo sopro da vida, a matéria necessita do calor de um ventre. Antes dessa íntima comunhão, desse limbo purificador, não poderá ter forma definitiva. Custa. Mas a lei natural é inexorável. Exige consciência de cosmos antes da consciência de ser. O calor dá no ovo. Aquece-o e amadurece-o. A casca quebra. Depois... Ah, depois é essa descida ao húmus, essa existência amorfa, nem germe, nem bicho, nem coisa configurada. Largos dias assim. Até que finalmente em cada esperança de perna nasce uma perna, e cada ânsia de claridade é premiada com dois olhos iluminados. Cresce também uma boca onde a fome a reclama, e surgem as asas que o sonho deseja...
Miguel Torga - Bichos
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