Sunday, April 24, 2011

O poder não é um meio, é um fim. Não se instaura uma ditadura para se salvaguardar uma revolução; faz-se a revolução para se instaurar a ditadura. O objectivo da perseguição é a perseguição; o da tortura é a tortura; o do poder, o poder (...).

Estás a pensar que eu falo de poder, e nem sequer consigo evitar a ruína do meu próprio corpo. Será que não entendes, Winston, que o indivíduo não passa de uma célula? O cansaço da célula é o vigor do organismo. Porventura morres quando cortas as unhas?

(...) Somos os sacerdotes do poder. (...) Deus é o poder. (...) Sozinho, livre, o ser humano acaba sempre derrotado. E tem que ser assim, porque cada ser humano está condenado a morrer, o que constitui o maior de todos os fracassos. Mas se o homem for capaz de aceitar uma submissão total, absoluta, se for capaz de fugir à sua própria identidade, se for capaz de se fundir no Partido a ponto de ser o Partido, então será omnipotente e imortal.

A segunda coisa que tens de perceber é que o poder é poder sobre os seres humanos. Sobre o corpo, claro, mas acima de tudo sobre o espírito. O poder sobre a matéria (sobre a realidade exterior, como tu dirias) não é importante. O nosso domínio sobre a matéria tornou-se já absoluto.

(...) Começas agora a ver que tipo de mundo estamos a criar? Precisamente o oposto das estúpidas utopias hedonistas que os antigos reformadores imaginaram. (...) Não restará lealdade, senão a lealdade ao Partido. Nem amor, senão o amor pelo Big Brother. Nem riso, senão o riso da vitória sobre um inimigo aniquilado. Nem arte, literatura ou ciência. (...) Mas haverá sempre (não te esqueças disto, Winston), haverá sempre a embriaguez do poder. (...) Se queres uma imagem do futuro, pensa numa bota a pisar um rosto humano. Para sempre.

George Orwell - Mil Novecentos e Oitenta e Quatro - Lisboa, Edições Antígona, 1991

2 comments:

KS Nei said...

Nossa, faz 1984 ano que o li.

fiz questao de le-lo a 1a x em 84.

é como fazer historia da historia, nao?

Leituras said...

História da história é ótimo! Eu li pela primeira vez, acabei ontem.

Pessoalmente, fiquei admirado de um livro tão revelador ter sido publicado no ano em que foi. Li o Orwell falando que o objetivo era alcançar uma mistura entre jornalismo e ficção. E as descrições sobre os horrores comunistas são tão detalhadas que ele só poderia ser um jornalista da mais alta categoria! E muitíssimo bem informado.