Wednesday, May 18, 2011

MARCELO COELHO 

Politicamente fascista 

Todo pateta com pretensões à originalidade e à ironia toma a iniciativa de se dizer "incorreto"

O comediante Danilo Gentili pediu desculpas pela piada antissemita que divulgou no Twitter. A saber, a de que os velhos de Higienópolis temem o metrô no bairro porque "a última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz".

Aceitar suas desculpas pode ser fácil ou difícil, conforme a disposição de cada um. O difícil é imaginar que, com isso, ele venha a dizer menos cretinices no futuro.

Não aguentei mais do que alguns minutos do programa "CQC", na TV Bandeirantes, do qual é ele uma das estrelas mais festejadas. Mas há um vídeo no YouTube, reproduzindo uma apresentação em Brasília do seu show Politicamente Incorreto, em outubro de 2010.

Dá para desculpar muita coisa, mas não a falta de graça. O nome oficial do Palácio do Planalto é Palácio dos Despachos, diz ele. "Deve ser por isso que tem tanto encosto lá." Quem o construiu foi Oscar Niemeyer, continua o humorista. E construiu muitas outras coisas, como as pirâmides do Egito.

A plateia tenta rir, mas só fica feliz mesmo quando ouve que Lula é cachaceiro, ou que (rá, rá) o nome real de Sarney é Ribamar. Prossegue citando os políticos que Sarney apoiou; encerra a lista dizendo que ele só não apoiou o próprio câncer porque "o câncer era benigno".

Os aplausos e risadas, pode-se acreditar, vêm menos da qualidade das piadas e mais da vontade de manifestação política do público. Detestam-se, com razão, os abusos dos congressistas brasileiros. Só por isso, imagino, alguém ri quando Gentili diz preferir que a capital do país ficasse no Rio: "Lá pelo menos tem bala perdida para acertar deputado".

Melhor parar antes que eu fique sem respiração de tanto rir. Como se vê, em todo caso, o título do show não é bem o que parece. "Politicamente incorreto", no caso, faz referência às coisas erradas feitas pelos políticos, mais do que ao que há de chocante em piadas sobre negros ou homossexuais.

A questão é que o rótulo vende. Ser "politicamente incorreto", no Brasil de hoje, é motivo de orgulho. Todo pateta com pretensões à originalidade e à ironia toma a iniciativa de se dizer "incorreto" - e com isso se vê autorizado a abrir seu destampatório contra as mulheres, os gays, os negros, os índios e quem mais ele conseguir.

Não nego que o "politicamente correto", em suas versões mais extremadas, seja uma interdição ao pensamento, uma polícia ideológica.

Mas o "politicamente incorreto", em sua suposta heresia, na maior parte das vezes não passa de banalidade e estupidez.

Reproduz preconceitos antiquíssimos como se fossem novidades cintilantes. "Mulheres são burras!" "Ser contra a guerra é viadagem!" "Polícia tem de dar porrada!" "Bolsa Família serve para engordar vagabundo!" "Nordestino é atrasado!" "Criança só endireita no couro!"

Diz ou escreve tudo isso, e não disfarça um sorrisinho: "Viram como sou inteligente?".

"Como sou verdadeiro?" "Como sou corajoso?" "Como sou trágico?" "Como sou politicamente incorreto?"

O problema é que "politicamente incorreto", na verdade, é um rótulo enganoso. Quem diz essas coisas não é, para falar com todas as letras, "politicamente incorreto". Quem diz essas coisas é politicamente fascista.

Só que a palavra "fascista", hoje em dia, virou um termo... politicamente incorreto. Chegamos a um paradoxo, a uma contradição.

O rótulo "politicamente incorreto" acaba sendo uma forma eufemística, bem-educada e aceitável (isto é, "politicamente correta") de se dizer reacionário, direitista, fascistoide.

A babaquice, claro, não é monopólio da direita nem da esquerda. Foi a partir de uma perspectiva "de esquerda" que Danilo Gentili resolveu criticar "os velhos de Higienópolis" que não querem metrô perto de casa.

Uma ou outra manifestação de preconceito contra "gente diferenciada", destacada no jornal, alimentou a fantasia mais cara à elite brasileira: a de que "elite" são os outros, não nós mesmos. Para limpar a própria imagem, nada melhor do que culpar nossos vizinhos.

Os vizinhos judeus, por exemplo. É este um dos mecanismos, e não o vagão de um metrô, que ajudam a levar até Auschwitz.

9 comments:

Unknown said...

Simplesmente genial!

Ana Flávia C. Ramos said...

"Quem tem medo do politicamente correto?", por Ana Flávia Cernic no TABNAREDE:http://tabnarede.wordpress.com/2011/05/16/243/
Acho que pode contribuir para o debate. Quem tem medo do politicamente correto é quem está na zona de conforto. O humor/arte que se reinvente diante das conquistas das minorias e dos movimentos sociais. A criatividade é infinita!

Nilo Cabral said...

Parabéns, excelente. Nilo/POA

Marcos said...

Mais ou menos o que eu escrevi dois anos atrás:

http://almanaque.wordpress.com/2009/07/27/a-gloria-de-um-covarde/

Roberto said...

A ultra-direita tentando se travestir de progressista é melancólica.

Não gostei do texto e não concordo. Ademais, atacar o "preconceito" das massas que se reproduz por piadas é tentar esconder o verdadeiro ser que discrimina: a elite.

Nós agora somos facistas, e a elite ultra-reacionária desse país é progressista e respeita as diferenças. Isso sim é uma piada!

Quer enganar quem com esse texto!

Diogo said...

Parabéns ! Concordo com vc além desse Gentili tem um tal de Rafinha Bastos tbm que se acha " O CARA " tem uma entrevista dele na Gloss esse
mês simplesmente RIDÍCULA !

Unknown said...

Me desculpe mas acho que fascista mesmo são pessoas como Bolsonaro e etc, o que o Danilo Gentilli faz, assim como o Rafinha Bastos, é se livrar de fazer um humor "quadrado" como vários outro veículos de humor, que se privam de ser mais "ácidos" para prevenir que as pessoas se sintam ofendidas... Gente vamos relaxar um pouco, hoje esta tudo muito chato, não da pra falar de nada sem ter algum idiota ameaçando os outros de processo... Se você analisar a postura do Gentilli no programa é de afrontar e dizer coisas que muita gente não teria coragem e trazer à tona os acéfalos que são os políticos deste país...

Discípulo said...

Não concordo. O tal show do Danilo foi muito bom e seu texto soa ressentido, além de só interessar aos defensores tacanhos do politicamente pudim. Mas seja Bolsonaro, Crivela, Danilo ou Iraja (who?), todos devem expor o que pensam com liberdade. Penso que seja melhor assim.

Leituras said...

uomini (what?), o texto não é meu, é do Marcelo Coelho, está escrito lá no alto, é a primeira informação. Você não presta atenção e sai atacando? Ademais, o Marcelo Coelho diz que o show é ruim e argumenta, explicando o que pensa. Você, pelo jeito, fica contente só de pensar, né? Mas, isso, até o Danilo Gentili faz.