Saturday, November 05, 2011

HÉLIO SCHWARTSMAN

A democracia funciona?

O premiê George Papandreou até que tentou submeter a referendo o pacote de ajuda da UE à Grécia, mas foi impedido por uma improvável aliança entre membros de seu próprio partido e países graúdos da Europa. A questão é: mercados e democracia são compatíveis?

Grupos mais à esquerda respondem com um sonoro "não" e se põem a maldizer o capital, num roteiro conhecido. Quem também diz "não", mas fica com o mercado, maldizendo os eleitores, é o economista ultraliberal e militante libertário Bryan Caplan, em The Myth of the Rational Voter (o mito do eleitor racional). A tese do autor é simples: democracias não dão muito certo porque elas entregam aos eleitores o que eles querem - e o que eles querem é frequentemente algo que os prejudica. Isso ocorre porque cidadãos de Estados democráticos, como todos os seres humanos, vêm de fábrica com uma série de preferências e vieses que os impelem a escolhas ruins.

Exemplos de erros sistemáticos citados incluem a nossa resistência natural a elementos do mercado, como juros e intermediários (a quem chamamos de "atravessadores"), a estrangeiros (imigração e deficit comercial são vistos como vilões) e nossa obsessão por criar empregos, mesmo que à custa de novas tecnologias.

No caso específico do pacote grego, ele provavelmente seria recusado nas urnas devido à nossa tendência de valorizar o presente em detrimento do futuro. Para não perder mais agora, o eleitor grego sacrificaria a retomada mais à frente.

Na democracia, sustenta o autor, esses vieses são ampliados pelo fato de que, como o peso de cada voto é irrisório, a urna se torna o lugar onde o eleitor dá rédeas aos seus instintos antimercadistas mais básicos. Não compro tudo da argumentação de Caplan. A economia precisa melhorar muito antes de reclamar o estatuto de ciência dura. Mas é sempre bom ler argumentos inteligentes dos quais discordamos. No mínimo, aprimoramos nossas próprias ideias.


PAUL KRUGMAN

Oligarquia à moda dos EUA

Os manifestantes que dizem representar 99% da sociedade podem até ter errado a conta para menos

A desigualdade voltou ao noticiário, graças em larga medida ao movimento "Ocupe Wall Street", mas com um empurrãozinho do Serviço Orçamentário do Congresso. E vocês sabem o que isso significa: é hora de os enroladores entrarem em ação.

Em relatório recente, o Serviço Orçamentário documentou um declínio acentuado na proporção da renda total do país que chega aos norte-americanos de renda baixa e média. Hoje, os 80% de domicílios com menos renda respondem por menos de 50% da renda nacional total.

Em resposta, os suspeitos de sempre ofereceram os argumentos de sempre: os dados são incorretos (não são), a composição da classe mais rica muda o tempo todo (não é verdade) e outros. O mais popular parece ser o de que, embora já não sejamos uma sociedade de classe média, somos uma sociedade de classe média alta, na qual uma ampla classe de trabalhadores com alto nível educacional e a competência necessária a concorrer no mundo moderno se sai muito bem.

A história é bacana. Mas, infelizmente, não é verdade.

Os trabalhadores que têm diplomas universitários de fato apresentam desempenho superior, em média, ao dos que não têm, e essa disparidade vem se alargando ao longo do tempo. Mas os americanos de melhor nível educacional de forma alguma estão imunes à estagnação de renda e à insegurança econômica. Os avanços salariais nessa faixa são praticamente inexistentes desde 2000, e hoje quem tem diploma universitário tem menor probabilidade de obter um bom plano de saúde do que os trabalhadores com educação secundária em 1979.

Assim, quem está ficando com a maioria dos ganhos? Uma minoria ínfima e muito rica.

O relatório do Serviço Orçamentário nos informa que basicamente toda a renda redistribuída dos 80% mais pobres nos EUA beneficiou o 1% mais rico da sociedade. Os manifestantes que afirmam representar 99% da sociedade estão essencialmente certos, e os sabichões que garantem solenemente que a questão real é a educação, e não o avanço na renda de uma pequena elite, estão completamente errados.

Na verdade, os manifestantes podem ter errado para menos em sua conta. Pesquisa anterior, cujos resultados só se estendiam até 2005, constatou que quase dois terços dos avanços de renda entre o 1% mais rico beneficiavam o 0,1% mais rico - o milésimo mais rico dos norte-americanos, cuja renda real subiu mais de 400% entre 1979 e 2005.

E quem compõe esse 0,1%? Empresários heroicos, criadores de empregos? Não: na maioria, executivos. Pesquisas recentes demonstram que 60% desse 0,1% se compõe de executivos de companhias não financeiras ou tem as finanças como fonte principal de rendas. Ou seja: descrição perfeita de Wall Street.

Mas por que a concentração de renda e riqueza em tão poucas mãos importa? A resposta mais ampla é que ela é incompatível com a democracia real. Nosso sistema político vem sendo distorcido pela influência dos endinheirados, e essa distorção se agrava à medida que a riqueza desses poucos se multiplica.

Alguns sabichões tentam descartar como tolice a preocupação com a desigualdade crescente. A verdade é que a natureza de nossa sociedade como um todo está em jogo.
 

No comments: