8 Batutas |
Os Sonhos dos Outros
Na década de 1960, o artista Robert Smithson disse que as redes de signos da cultura contemporânea chegariam a uma densidade tamanha que formariam uma casca lisa e uniforme, sobre a qual seria possível correr livremente em todas as direções, como num deserto incontaminado. A música popular brasileira talvez esteja chegando a uma situação similar. O cânone, que vai mais ou menos de Nazareth a Chico e Caetano, já se fechou. Pode sofrer um acréscimo aqui ou ali, mas na substância já está formado, e é um valor indiscutível e incontornável para qualquer um que não seja de todo surdo ou insensível. Forma um núcleo sólido, uma casca dura sobre a qual se pode correr à vontade. Desse ponto de vista, já não há mais diferença substancial entre, digamos, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, Zélia Duncan e Chico César, José Miguel Wisnik e Cássia Eller. Eles têm o mesmo background e o mesmo objetivo: simplesmente, o de escrever canções - e a canção brasileira já é definitivamente o que é. Não há mais distâncias porque, descontadas as diferenças de gosto e de qualidade, não há mais direções.
[...] O sonho é sonho de um outro, e nosso sonho é sonhá-lo; nossa veneração intrusiva pode levar o sonhador a perder seu sonho. Por outro lado, o que me caracteriza como este sonhador é justamente a consciência de que o sonho é de outro. Se eu o pego, ele evapora: se ele me pega, eu me perco. Saber lidar com esse risco e, no entanto, manter o sonho em aberto, essa é a questão.
Lorenzo Mammì - Os Sonhos dos Outros - Lendo Música: 10 ensaios sobre 10 canções
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