Saturday, August 05, 2023

5 de agosto de 2017

Em números divulgados em 2014, dos cento e poucos milhões de brasileiros aptos para o trabalho, cerca de noventa e outros poucos milhões estavam, efetivamente, empregados de forma regular.

Repare: metade da população depende, em alguma medida, da outra para sobreviver.

Dito isto, dos noventa e tantos que trabalhavam, trinta e cinco milhões, mais ou menos, tinham registro em carteira. Um terço: sim. Dois terços... não.

Sabe-se também muito bem que o aumento do emprego formal na era Lula e Dilma resultou da demanda por postos de trabalho de baixíssima qualificação e foi acompanhado pelo avanço, é possível dizer enorme, de contratações terceirizadas.

Resumo: ainda no contra fluxo da crise mundial que se desencadeou em 2008, dentro do regime de políticas anti-cíclicas e numa situação próxima do 'pleno emprego', no Brasil de 2013 e 2014, dos mais de duzentos milhões de habitantes, apenas cerca de trinta milhões, estavam registrados, ainda que ganhando salários muito baixos e, em grande medida, dependentes de contratos inseguros no modelo 'terceirizado'.

Essa condição parece auto-evidente quando se pensa que somos uma economia que permanece 60% na informalidade e onde apenas 8% da população ganha mais do que $5.000 reais por mês. Temos outro viés de confirmação se observarmos o presente do capitalismo global, quase completamente financeirizado. O sindicalismo entrou, há quase uma década, em fase próxima do colapso, ao redor de todo o mundo. É comum ouvir falar num 'capitalismo pós-industrial', ou em um 'capital que não produz'. Estaríamos falando de 'proletários do ar', como Drummond certa vez escreveu sobre o desaparecimento do Brasil agrário que havíamos conhecido até a primeira metade do século XX?

Enquanto isso, nota-se uma expectativa, por parte da auto-denominada 'esquerda' brasileira em seus diversos matizes, por uma revolta, ou resistência, da classe operária diante da reforma trabalhista que, mesmo sem pé nem cabeça, foi aprovada no Congresso. O mesmo se exige em relação à reforma da Previdência, ainda por aprovar.

Mas como querer que um grupo social lute pela manutenção de algo que jamais possuiu?

No fundo, a luta por direitos que se aguarda emergir da pobreza brasileira só está ao alcance de 5% da população. Pelo motivo simples de que só esta parcela específica dos habitantes do Brasil têm acesso a uma ampla gama de direitos fundamentais.

Não é realmente factível para quem precisa sustentar a família nas condições precárias em que sobrevivem mais de 90% das pessoas em idade produtiva.

Aliás, não faz muito sentido.

Em verdade, o trabalho regular e estável é, para o brasileiro médio, antes de mais nada, símbolo de diferenciação. Algo só garantido a quem goza de privilégios, mas percebido como um prêmio pelo esforço individual. A tal meritocracia. Que, em termos de organização política, separa e cria rivalidade entre semelhantes mais do que aglutina.

É, na prática, barbárie, mas faz parte de um todo lógico e familiar aos brasileiros de qualquer classe social. 'Um outro mundo é possível', mas quem, no meio desse quiproquó sistêmico - sistemático - estaria apto a se revoltar?

Talvez, os verdadeiramente aptos estejam se colocando no lugar de quem delega sua revolta. Mais ou menos como se contrata uma diarista para dar aquele lustro nos móveis enquanto a gente termina o 'job' que pintou de última hora (apesar da crise) e que deixa a gente 'sem tempo pra nada'.

Voltando ao início, o desemprego que em 2014 era próximo de 6%, hoje passa dos 20. O que era frágil sofreu uma piora consistente nos últimos 3 anos. Coincidentemente os anos da era Cunha-Aécio-Temer. Que não havíamos colocado na história.

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Publicado originalmente no Facebook

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