Pacto da Branquitude - Cida Bento
1. PACTO NARCÍSICO
Minha experiência de trabalho com instituições tão diferentes como empresas, organizações governamentais, organizações da sociedade civil, sindicatos de trabalhadores, federação de empregadores, organizações partidárias de centro, esquerda e direita demonstrou como todas guardam similaridades na estrutura e no modus operandi quando o assunto são relações de raça e gênero.
As organizações constroem narrativas sobre si próprias sem considerar a pluralidade da população com a qual se relacionam, que utiliza seus serviços e que consome seus produtos. Muitas dizem prezar a diversidade e a equidade, inclusive colocando esses objetivos como parte de seus valores, de sua missão e do seu código de conduta. Mas como essa diversidade e essa equidade se aplicam se a maioria de suas lideranças e de seu quadro de funcionários é composta quase exclusivamente de pessoas brancas?
Assim vem sendo construída a história de instituições e da sociedade onde a presença e a contribuição negras se tornam invisibilizadas. As instituições públicas, privadas e da sociedade civil definem, regulamentam e transmitem um modo de funcionamento que torna homogêneo e uniforme não só processos, ferramentas, sistema de valores, mas também o perfil de seus empregados e lideranças, majoritariamente masculino e branco. Essa transmissão atravessa gerações e altera pouco a hierarquia das relações de dominação ali incrustadas. Esse fenômeno tem um nome, branquitude, e sua perpetuação no tempo se deve a um pacto de cumplicidade não verbalizado entre pessoas brancas, que visa manter seus privilégios. E claro que elas competem entre si, mas é uma competição entre segmentos que se consideram “iguais”.
É evidente que os brancos não promovem reuniões secretas às cinco da manhã para definir como vão manter seus privilégios e excluir os negros. Mas é como se assim fosse: as formas de exclusão e de manutenção de privilégios nos mais diferentes tipos de instituições são similares e sistematicamente negadas ou silenciadas. Esse pacto da branquitude possui um componente narcísico, de autopreservação, como se o “diferente” ameaçasse o “normal”, o “universal”. Esse sentimento de ameaça e medo está na essência do preconceito, da representação que é feita do outro e da forma como reagimos a ele.
Tal fenômeno evidencia a urgência de incidir na relação de dominação de raça e gênero que ocorre nas organizações, cercada de silêncio. Nesse processo, é fundamental reconhecer, explicitar e transformar alianças e acordos não verbalizados que acabam por atender a interesses grupais, e que mostram uma das características do pacto narcísico da branquitude.
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O PACTO DA BRANQUITUDE
Copyright © 2022 by Maria Aparecida Silva Bento
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