Thursday, September 28, 2023

28 de setembro de 2019


O relato de Rodrigo Janot sobre a tentativa de executar a tiros o ministro Gilmar Mendes tem a estrutura de um sonho.

As coisas acontecem dissociadas do tempo e do espaço:

"Não havia escrito carta de despedida [...]. Também não disse a ninguém o que eu pretendia fazer".

Ou seja, como nos sonhos, não há o antes. Tampouco testemunhas. A experiência é imediata e solitária.

A lógica ordinária dos dias, igualmente, não se cumpre.

"Esse ministro costuma chegar atrasado às sessões".

O que permite acontecer exatamente o que o desejo exige:

"Quando cheguei à antessala do plenário, para minha surpresa, ele já estava lá".

Como mágica.

A ação, então, sem lapsos se desencadeia. Na velocidade dos sonhos (que sempre têm curta duração), despida de tempos mortos:

"Não pensei duas vezes. Tirei a minha pistola da cintura, engatilhei, mantive-a encostada à perna e fui para cima dele".

Nada mais típico do que um símbolo fálico dentro de um sonho.

Janot chama a arma de 'pistola'. Tira-a 'da cintura' e a mantém encostada na 'perna'. E é aí que vai 'para cima' de Gilmar.

"Mas, algo estranho" aconteceu:

"Quando procurei o gatilho, meu dedo indicador ficou paralisado. Eu sou destro. Mudei de mão. Tentei posicionar a pistola na mão esquerda, mas meu dedo paralisou de novo".

Ainda mais típico, na vida onírica, que os símbolos fálicos, são as cenas recorrentes em que o sujeito se vê paralisado diante de situações de grande tensão.

São comuns a impossibilidade de andar, correr, mover os lábios, subir ou descer escadas, abrir portas para fugir, nadar, etc.

No caso, são os indicadores, pedaços do próprio corpo responsáveis por puxar o gatilho, que perdem o movimento.

O indicador, por sua vez, faz contraste com o revólver, objeto exterior ao corpo. O indicador é fino e maleável, comparado ao cano da arma, metálico, rígido.

Os dedos, primeiro o da direita e, depois o da esquerda, ao tornarem-se duros, como o revólver, nessa nova condição são incapazes de realizar a tarefa. O falo potente para matar não está no corpo de Janot. E o falo que ele efetivamente tem, o dedo, o impede de usar sua extensão letal, a pistola.

Aí o sonho se interrompe. O 'eu' que sonha começa a despertar.

"Nesse momento, eu estava a menos de 2 metros dele. Não erro um tiro nessa distância".

O máximo de proximidade do objeto em mira. E o desfecho.

As sensações físicas, no instante em que se acorda de um sonho, costumam ser intensamente vívidas.

Porém, nada se registrou. Nada foi percebido por mais ninguém. A não ser por aquele que conta.

Como se nada tivesse acontecido, Janot apenas deixa o lugar e retorna para o ponto de partida.

Não houve o antes. Não há o depois.

Dissipou-se.

Parece muito um sonho.

Pode ter sido um sonho. Uma mentira. Um delírio.

Em qualquer das hipóteses, esse homem, por ser quem é e por tornar pública tal narrativa, precisa ser contido.

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