Saturday, November 25, 2023

25 de novembro de 2013

FERNANDO WHO?

Vídeo inédito, obtido pela Folha, mostra Geraldo Alckmin e Fernando Haddad cantando o Trem das Onze de Adoniran Barbosa em Paris. O caso se deu quando os dois foram à França promover a capital paulista como sede da Expo 2020. Naquele mesmo momento em que rolava a festa os protestos que varreriam o país tinham início em São Paulo.

A reportagem, grande, é matéria da ILUSTRÍSSIMA, espécie de caderno de cultura da Folha de São Paulo, dedicado a textos longos, reflexivos, mas recebeu chamada de primeira página. Foi incluída também na pauta do TV Folha, possível de se assistir na TV Cultura ou pela internet.

O autor se chama Fernando Mello. Vejo sua imagem no TV Folha. É o que costumamos chamar de "um mocinho": corte de cabelo, pelos ralos no rosto, casaco improvisado de gente recém chegada à idade adulta.

Dou um google. Não encontro nada sobre Fernando Mello, jornalista. A crer nesse indicador também deve ser novato no ofício.

Fui estudante de jornalismo. Lia na Folha de São Paulo, todos os dias, Paulo Francis, Cláudio Abramo, Tarso de Castro, Sérgio Augusto, Lourenço Diaféria, Alberto Dines, Gilberto Vasconcellos. Quando Frias Filho resolveu reformar o jornal no que ele é hoje, a primeira coisa que fez foi contratar duas dúzias de focas. O desmonte do dream team que listei ali atrás demorou um pouco, mas com o tempo, viria a ser completo. Frias inventou em seguida o Manual Geral da Redação. Um punhado de colegas meus foi dormir com a carteira assinada. Estávamos no 3º semestre do curso.

Explico a reminiscência: em geral, reportagem de investigação com assinatura é privilégio de jornalista tarimbado. Se Fernando Mello ainda não tem currículo, com certeza cumpre ordens, orientado passo a passo pelos editores. O Manual Geral da Redação foi criado para sistematizar essa prática. Tira autonomia do repórter, aumenta a padronização e, com isso, controla melhor os resultados. Situação que gente jovem suporta com mais naturalidade.

Na prática o artigo começa por descrever minuciosamente o coquetel e o karaokê para em seguida fazer uma rápida memória das manifestações de rua que eclodiram em São Paulo nos mesmos dias em que o governador e o prefeito foram a Paris. De posse desses dois conjuntos de informações, passa-se a refletir sobre as causas das chamadas marchas de junho. Uma pesquisa realizada em 18 países latino-americanos e a opinião de dois especialistas internacionais servem de base para concluir que a resposta está, entre outras, no "desgosto dos cidadãos com os políticos", fruto do distanciamento que os representantes mantêm em relação àqueles que representam.

A decisão de viajar em tempos de crise confirma o diagnóstico? Afinal, não são Alckmin e Haddad os que soltam a voz no rega-bofe à francesa enquanto os tapuias ateiam fogo à cidade? O texto não afirma, prefere traçar um paralelo, pois, do título ao arremate, Fernando Mello é um primor de "Folhismos". Faz uso das mesmas insinuações, ironias, ambiguidades, referências cultas e do ar vagamente investigativo que tanto rendem ao diário paulistano acusações de esnobismo e tendenciosidade.

De investigativo quem procurar encontra muito pouco. De reflexivo ainda menos, já que o momento de amarrar a série de pontas soltas que vão se multiplicando, de Valéry a Kennedy, do policial ferido aos Demônios da Garoa, não chega nunca. Apesar de tudo na escrita de Fernando Mello querer "produzir sentido", a partir das contradições entre todos os elementos que vão construindo sua "versão dos fatos" muito pouco se deduz além do "fato" de que são... contraditórios. Assim como nada sobre o que se fala, no artigo, é claro, quase nada que o artigo diz, tampouco, tem clareza.

De toda essa lubrificação sobra concluir que Fernando Mello veio para mostrar que há mais semelhanças entre o tucano e o petista do que sonha nossa vã filosofia.

Parece sensato desconfiar que haja interessados em aproveitar o pico de visibilidade dos dias que antecedem a escolha da cidade que irá sediar a EXPO 2020 para colar a imagem de Haddad à de Alckmin. No momento que coincide com o fim do julgamento da AP 470 e na iminência de ter que voltar os holofotes para o Mensalão mineiro e para o propinoduto do Metrô e da CPTM, a Folha levanta suspeitas sobre si mesma ao publicar artigo tão capcioso. Tal aproximação fragiliza, sem dúvida, o prefeito e pode beneficiar o governador, ainda que seja só por embaralhar sua imagem com a de Haddad, postergando assim o reconhecimento de que Alckmin e o PSDB estão prestes a se tornar a proverbial "bola da vez".

Pelo fato justamente de ter passado por uma escola preparatória de jornalistas não me seduzo pela ideia de que o noticiário é manipulado de maneira unívoca pelos interesses das grandes corporações. Essa crença, penso, obscurece o fato de que a informação surge a contrapelo dos desejos dos donos de jornais, que, assim, estão também sujeitados pelas regras do jogo, como queria Cláudio Abramo em sua autobiografia.

Abramo, que não esquecia que o jogo tem regras, mas também sabia discernir entre parceiros, rivais e inimigos, bateu de frente com seus patrões mais de uma vez. Comandou a Folha em tempos que antecederam a Reforma Editorial de Frias Filho. Viu o Otavinho crescer, mas já não estava presente quando o jornal se juvenilizou. É provável que se insurgisse contra a ideia de uma ferramenta que torna mais fácil à voz do dono se fazer ouvir de maneira indireta, disseminada entre as editorias já sem personalidade, como o Manual da Redação veio permitir. Interesses sempre haverá. Escusos às vezes. Coisas que é preferível que se diga de maneira cifrada. Focas, para essas eventualidades, são extremamente úteis.



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