Maninha
Minha irmã mais velha morreu sem saber que eu enfiava a cara entre suas saias e vestidos, assim que ela saía para as aulas de arte. Ela escondia o violão atrás dos cabides no fundo do guarda-roupa, e só bem mais tarde eu compreenderia que todo músico tem ciúme do seu instrumento. Ciúme ainda mais justificado quando se trata de um violão, instrumento que você põe no colo, apoia na coxa, abraça contra o peito e tange com a ponta dos dedos. Eu observava minuciosamente o movimento dos dedos da minha irmã enquanto ela tocava, mas uma vez sozinho não conseguia tirar um som decente. Passava horas diante do espelho tentando reproduzir os acordes dela, e me dava raiva de não ter a habilidade dos seus dedos finos com unhas de esmalte vermelho. Sei que minha irmã não me negaria umas aulas, desde que eu comprasse um violão de principiante só para mim, mas para tanto teria de vender minha bicicleta. Foi assim que desisti da música e nunca mais vasculhei o guarda-roupa da minha irmã. Minto, às vezes buscava ali dentro um maço de Chesterfield, e diante do espelho imitava sua boca soltando rodelas de fumaça.
Bambino a Roma. © 2024, Chico Buarque. Companhia das Letras.
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