27 de outubro de 2024
Vai daí que eu caí da cama neste domingo encoberto de segundo turno e vi no Instagram a imagem que agora faz par com o textão que vos ofereço.
Ela tem uma legenda: "Young surfer, Noosa Heads, Australia" e é assinada por Matthew Bozec, um cara nascido em Otonabee, no Canadá, especializado em fotos de viagem.
Olhei pra fotografia e me veio a ideia de que ela pode ser uma representação daquilo que penso ser a disputa entre candidaturas do campo democrático num país violento como o Brasil versus o campo da reação, que alguns chamam de conservador, outros de extrema-direita, mas a gente sabe muito bem que o nome correto é campo escravocrata.
O surfistinha com sua prancha olhando o mar encapelado é o candidato/candidata. O mar encapelado (olhando o surfistinha, como diria o Nietzsche) é, por exemplo, o "consórcio que se montou tentando usar a cidade de São Paulo pra um projeto bolsonarista em 2026", fazendo uso aqui das palavras do Guilherme Boulos na última live da campanha, ontem à noite.
O campo escravocrata muda de rosto, de nome, muda mesmo de forma, feitio, configuração, mas sem nunca deixar de ser o mesmo, sempre enorme, um grande oceano que de vez em quando um cidadão, ou uma cidadã atravessa (ou se afoga tentando) a bordo de embarcações tão precárias quanto uma prancha de surf.
Repara na minha metáfora: o corpo do menino no alto da pedra é nítido, mas o mar encapelado é indistinguível. Dele só sabemos o tamanho. Sempre um consórcio. Não apenas o consórcio em São Paulo em 2024, com vistas a 2026. O consórcio perene. O consórcio profundo.
A assimetria entre as forças é brutal. De vez em quando, quando a gente ganha, a gente governa naquele mesmo espaço exíguo do alto da pedra em que está o surfistinha. Cercados por todos os lados.
Sempre foi assim e um surfista foda que nem o Lula provavelmente se mantém na crista da onda porque mais do que ninguém conhece (e aceita) as condições do mar e do tempo.
A praia, a terra firme, não se vê no recorte da foto. É lá onde permanecem sentadas as pessoas que, quando a coisa fica difícil (tipo 14% de vantagem pros reaça), atribuem as vitórias do campo escravocrata aos erros do campo democrático, fazendo de conta que a realidade não é toda ela pré-determinada pela assimetria entre as forças. São essas pessoas que explicam as derrotas do campo democrático pela prancha escolhida errado, pelo estilo do surfista, ou seu despreparo, ou o horário de pegar a onda, ou os problemas do patrocinador, ou... qualquer coisa que se possa atribuir não ao contexto histórico, ao sistema econômico, à geopolítica, aos consórcios e sim às questões específicas do candidato/candidata.
Devem estar confortáveis essas pessoas em seus empregos, ou suas aposentadorias, ou seus canais do Instagram, do YouTube, todos esses lugares secos e firmes, longe das pedras, das ondas, do eleitorado e dos livros do Marx.
Não são elas tampouco quem decide o resultado nas urnas. É o mar, é o mar, é o mar... (como diria o Caymmi)...
A presença dessa turma é residual. Mas, guardadas as devidas proporções, se você me perguntar se o campo escravocrata se beneficia do papo pra peixe-boi dormir deles, não tenho dúvida: sim.
Deixo aqui como meu último ato de campanha os mais sinceros votos de vai-tomar-no-olho-do-seu-cu pro pessoal que fica na praia, fogo nos fascistas e 50 na urna eletrônica.
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