Com o falecimento de Cacá Diegues, ontem, começou a circular esta imagem, acredito, do final da década de 1970.
A mim me chamam a atenção o lugar de destaque de Glauber Rocha e a íntima camaradagem entre os retratados.
Em tempos de rede social — quando o próprio tempo parece ter sido abolido — a foto leva a gente a enxergar um quarteto harmônico que a devida contextualização histórica desmente.
Lembrei do artigo de Francisco Alambert — 'A Realidade Tropical' — publicado em 2012 na Revista IEB n. 54, em que o professor transcreve trechos da entrevista concedida por Glauber a Elio Gaspari, Heloisa Buarque de Hollanda e Zuenir Ventura para o livro '70/80: Cultura em Trânsito'.
Os entrevistadores fizeram apenas uma pergunta ao cineasta:
— O que você tem a dizer
sobre a questão das Patrulhas Ideológicas que vêm invadindo a imprensa
e as paixões nesse último mês?
Estávamos em março de 1980 e, em resposta, Glauber disparou uma vez mais sua famosa metralhadora giratória.
Um outro tipo de retrato de época emerge da diatribe glauberiana, ele, antes e mais que qualquer um, persona polêmica de fio a pavio.
Vejamos.
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[o Cebrap] "é cofinanciado ou patrocinado pela Fundação Rockfeller ou pela
Fundação Ford (…), tem inclusive ligação com o liberalismo
americano (…). Os liberais democratas do Brasil são apenas capitalistas progressistas ligados a multinacionais, que lutam contra o
arcaísmo da economia política brasileira, que é a dominante".
(...) "o grupo capitalista do cinema brasileiro hoje,
que é formado por Luiz Carlos Barreto, Bruno Barreto, Arnaldo Jabor,
Walter Clark e Carlos Diegues, é oriundo do Cinema Novo".
(...) "os intelectuais e artistas comunistas, ligados ao PC, foram para a Rede Globo".
(...) "acho que o debate aqui tinha de ser colocado em outro nível: o
da busca da identidade nacional pela compreensão dos processos
econômicos e culturais da colonização. (...) E esse salto é importante, tem que se superar essa feijoada ideológica, multi-ideológica,
com uma visão clara do problema".
(...) "aqui você tem que adorar Deus, MDB, Flamengo, e ser fã de Maria
Bethânia. A MPB, vanguarda crítica dos anos 1960, passou a liderar
(ao lado do futebol e da política de centro) o conformismo nacional, uma
vez liquidado seu aspecto revolucionário".
(...) "intelectual aqui é um palhaço da
burguesia, são as mesmas figuras da revista Interview, das colunas
sociais de O Globo (...). Show da Gal Costa, espetáculo de Ney Matogrosso,
teatro de Dias Gomes é tudo uma porcaria só".
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As fontes:
https://revistas.usp.br/rieb/article/view/49116
https://www.estantevirtual.com.br/livro/7080-cultura-em-transito-da-repressao-a-abertura-1YK-1970-000