Monday, July 04, 2011

Nos seus comentários, Arendt indicou que "o caráter imperecível" das obras de arte aplicada, o fato de que podemos julgá-las e realmente as julgamos belas depois de centenas ou milhares de anos, introduz a durabilidade do passado e com isso a estabilidade do mundo em nossa experiência. Mas, ao contrário das artes aplicadas que sustentam a estrutura do mundo, a ação, sem nenhum plano ou paradigma, o modifica. A ação, como testemunha o século XX, demonstra a fragilidade e a maleabilidade do mundo que ronda a liberdade abissal da vontade. No entanto, segundo Arendt, apesar de sua contingência "acidental" e "caótica", depois de terminada, pode-se contar uma história que "dá sentido" à ação. Como, perguntava ela, isso é possível? Em oposição aos filósofos da história, que tipicamente lêem progresso ou declínio nos resultados da ação, o interesse de Arendt era pela ação livre, cujos resultados são desconhecidos enquanto está sendo desempenhada. Se a faculdade de julgamento se mantém afastada da ação para adaptá-la a uma história, deve operar também naquele que age, que Arendt gostava de comparar a um ator, um artista. Embora a interpretação do agente desapareça assim que termina, enquanto perdura ela "ilumina" o princípio que a inspira. Espontaneamente, aquele que age julga esse princípio adequado para aparecer no mundo: ele lhe agrada, e sua ação é um apelo a outros, um pedido de que também lhes agrade. O agente, ocupado demais para pensar enquanto está agindo, não é irracional, e toda a atividade mental, segundo Arendt, torna a refletir sobre si mesma. Ao contrário do pensar e do querer, entretanto, o julgar está estreitamente ligado ao sentido que lhe corresponde, isto é, ao gosto. A reflexividade do julgar é qualificada pelo "agrada" ou "não agrada" do gosto, e quando o julgamento reflete o gosto de outros que julgam, transcende-se o imediatismo do próprio gosto daquele que julga. O ato de julgar transforma o gosto, o mais subjetivo de nossos sentidos, no senso comum especificamente humano que orienta os homens, homens que julgam, no mundo.

O julgamento, portanto, é uma espécie de atividade de equilíbrio, "congelada" na figura das balanças da justiça que pesam a estabilidade do mundo, em que o seu passado é presente, contra a renovação do mundo, a sua abertura à ação, mesmo que ela possa abalar a própria estrutura do mundo. [...] Com algum grau de confiança, pode-se dizer que a capacidade de pensar [...] é a precondição do julgar, e que a recusa e a incapacidade de julgar, de imaginar diante dos olhos os outros a quem o julgamento representa e reage, convidam o mal a entrar e infeccionar o mundo. Também se pode dizer que a faculdade de julgamento, ao contrário da vontade, não contradiz a si mesma: a capacidade de formular um julgamento não está separada de sua expressão, de fato são virtualmente a mesma coisa no discurso e na ação. [...] Seria possível dizer que o fenômeno da consciência é verdadeiro ao dar ouvidos e prestar atenção às vozes dos vivos, e dos que já não são ou ainda não são vivos, que partilham em comum um mundo duradouro e mutuamente agradável, cuja possibilidade tanto instiga o julgamento como é o seu resultado. Também se poderia dizer que a capacidade de reagir julgando imparcialmente - apreciando e tratando com consideração todos os pontos de vista possíveis - a adequação ou inadequação de certos fenômenos particulares que aparecerem no mundo une de forma inconsútil a política e a moralidade na esfera da ação. [...] Finalmente, talvez se possa perguntar: Arendt não estava se referindo ao poder estritamente moral do julgamento, quando [...] escreveu que julgar "pode realmente impedir catástrofes, pelo mesmo para mim mesma, nos raros momentos em que as cartas estão abertas sobre a mesa"?

Jerome Kohn, professor da New School for Social Research e diretor do Centro Hannah Arendt, na mesma instituição. Assistente de pesquisa de Hannah Arendt na New School. Responsável pela edição e publicação de seus inéditos. Introdução à edição americana - Responsabilidade e Julgamento,  pgs. 27, 28 e 29.

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