Thursday, May 11, 2023

Simonal no Pasquim


Sérgio Cabral: Eu digo os nomes e você dá notas de um a dez. Vamos começar com Chico Buarque.

Simonal: Eu daria dez em letra e quatro em música. Acho a maioria das músicas do Chico muito ruins.

Sérgio Cabral: Caetano Veloso.

Simonal: O Caetano merece uma explicação, pela tropicália, que é um tipo de pilantragem. Eu conheço e gravei músicas do Caetano, sensacionais, fora desta linha misteriosa que ele andou fazendo. Na verdade, ele aproveitou o tumulto, a insatisfação geral, a depressão da juventude e optou pelo negócio da pilantragem, que parece não ter dado muito certo. Mas eu daria a ele 10 como letrista e cinco como músico.

Sérgio Cabral: E Gilberto Gil?

Simonal: Dez como letrista e 9 como musicista.

Sérgio Cabral: Roberto Carlos?

Simonal: Já faz outro gênero, uma música com maior poder de comunicação. É o que nós, da música moderna, chamamos de música quadrada. Para ele eu tenho que abrir um parêntese: pelo meu gosto musical eu daria três para ele, como compositor. Mas se estabelecermos o problema da comunicação, que também é válido, o Roberto Carlos é o compositor brasileiro que mais fez músicas comunicativas, eu nunca vi um sujeito fazer música água-com-açúcar de tanto poder comunicativo. Então, como compositor, eu daria três, mas pelo poder de comunicação ele é hors-concours.

Sérgio Cabral: E Noel Rosa?

Simonal: Eu conheço muita coisa ruim dele. Eu acredito que, na sua época, ele foi um Chico Buarque, eu não sei, mas ele poderia até ser considerado um Caetano Veloso na época, porque ele fez umas músicas realmente muito diferentes das músicas que se faziam naquele tempo. Como eu não conheço a maioria das coisas do Noel Rosa, eu não dou nota.

Sérgio Cabral: Ary Barroso?

Simonal: Compositor razoável. Foi muito idolatrado mas ele não chegava a ser sensacional.

Sérgio Cabral: Dorival Caymmi?

Simonal: Esse é quente. Eu daria dez em música e dez em letra. Ele tem umas músicas cafoninhas, comerciais, mas ele é sensacional. Faz bem música, tem bom gosto harmônico, tem melodia bonita e faz verdadeiras poesias. Eu daria vinte.

Jaguar: Você conhece o Nelson Cavaquinho? Que tal?

Simonal: Conheço, é sensacional. Como músico, pelo simples. Isto dele tocar o instrumento cavaquinho, que é pobre harmonicamente, faz com que ele mesmo muitas vezes estrague suas melodias. O Nelson Cavaquinho é um compositor em potencial, ele sente uma música, mas não dá para fazer o que quer fazer, porque se o Nelson Cavaquinho fosse Nelson Pianinho, seria sensacional. Como letrista, dentro daquela simplicidade, eu daria 15.

Jaguar: Qual o melhor compositor do Brasil?

Simonal: Não existe o melhor. Existe tanta gente boa. Tem um compositor, por exemplo, que eu nunca gravei música dele, chama-se Hermínio Bello de Carvalho; nunca gravei porque eu estou numa outra linha, mas é o tipo do compositor sensacional. E eu nunca gravei, porque não gravo disco para receber elogio, eu gravo disco para vender. Uso a minha arte no sentido comercial. O dia em que eu ficar rico, muito rico, aí sim eu vou me dar ao luxo de fazer disco artístico, mas por enquanto ainda não. E assim como Hermínio, existe muita gente boa. O Billy Blanco, o Ataulfo Alves, tanta gente bacana que não existe o melhor.

Sérgio Cabral: E a melhor cantora brasileira?

Simonal: A maior também não existe. Existem grandes cantoras. Eu faço questão de dizer que existem grandes cantores brasileiros, porque uma das piores línguas que existem para cantar é a língua portuguesa, porque não é sonora, é uma língua dura, uma língua feia. E a grande maioria dos compositores brasileiros faz músicas que dificultam a interpretação. E para a mulher ainda é mais difícil cantar na língua portuguesa do que para o homem. Então, quando encontramos uma Elizeth Cardoso, quando ouvimos uma Elis Regina, uma Claudette Soares, uma Maysa, é um negócio que a gente tem que tirar o chapéu, o que elas fazem com a voz, cantando em português, que é dificílimo... Cantar em inglês é fácil, italiano é mole. Você vê: todo calouro, em geral, canta música americana ou italiana, porque é mais fácil. Cantar em português já é mais difícil. Nós temos realmente grandes cantoras. Elza Soares é uma cantora excelente...

Sérgio Cabral: Você gosta da Gal Costa?

Simonal: Ela não é uma grande cantora. A Gal Costa é uma figura, funciona mais como uma peça de um movimento, como cantora ainda é muito imatura. Eu acredito que não poderá ser uma grande cantora. Mas eu falei em Elizeth Cardoso e se falasse que a Gal Costa é uma grande cantora, eu seria um cafajeste.

Sérgio Cabral: E Nara Leão?

Simonal: A Nara canta mal. E dizer que alguém canta mal não desmerece o valor. Nara canta mal como todas as menininhas grã-fininhas da Zona Sul e da Zona Norte que se identificam com Nara. O grande segredo de Nara é que ela sempre escolhe bem o repertório. Deve ser a cantora brasileira que melhor escolhe repertório. Acho que nem a Elizeth, com a prática que tem, escolhe tão bem quanto Nara. Ela só vai na mosca. Porque é fogo fazer sucesso cantando mal do jeito que Nara canta, o segredo dela está no repertório, isso sem falar no seu charme, no seu joelho que é sensacional etc.

Tarso de Castro: E hoje você acha que é o maior cantor do Brasil?

Simonal: O melhor, não, mas eu sou um dos melhores.

Tarso de Castro: Quais são os outros?

Simonal: Os outros, atuantes, eu diria... vocês vão morrer de rir, o Altemar Dutra. É que eu tenho um conceito muito diferente: eu não julgo o bom cantor pelo repertório que ele canta, mas sim pelo que ele pode fazer com a voz. Então, Altemar Dutra, Agnaldo Timóteo, Cauby Peixoto, Agostinho dos Santos, Lúcio Alves... puxa, tem tanta gente, deixa eu ver...

Tarso de Castro: O que você acha do Jair Rodrigues?

Simonal: Acho um ótimo sambista. Não é cantor, ele é sambista. Cantor não canta samba; ou se é sambista, ou se é cantor.

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Entrevista a O Pasquim nº 4 - Julho de 1969

Reproduzida em Quem não tem swing morre com a boca cheia de formiga: Wilson Simonal e os limites de uma memória tropical / Alonso, Gustavo. – Rio de Janeiro: Record, 2011

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