Monday, November 13, 2023

13 de novembro de 2016


CAIA NA ESTRADA E PERIGAS VER

Nas duas paradas que fez para comer em Pelotas, uma na ida e outra na volta do Uruguai, Dilma, segundo matéria do UOL, virou atração tipo "celebrity".

A reportagem menciona que, além de se mostrar simpática com todo mundo que apareceu e não dar bola pra imprensa, nos dois restaurantes a presidenta fez questão de conhecer o pessoal da cozinha. Em outras palavras, os trabalhadores que não são vistos pelo ambiente onde fica a clientela.

Isso me fez lembrar de um causo contado pelo Hilton Acioli, amigo de quem falei outro dia, quando Disparada e A Banda comemoraram 50 anos da vitória no II Festival da Record.

Hilton vivia de compor música para publicidade e, certa feita, por volta de 71 ou 72, a produção resolveu contratar ninguém menos que Luiz Gonzaga para interpretar um jingle. Gonzaga, pra quem não sabe, viveu mais de 10 anos de relativo ostracismo a partir do advento da Bossa Nova, da Jovem Guarda e dos programas musicais de altíssima audiência na TV dos anos 60. Ele que foi o maior vendedor de discos do Brasil ao longo de toda a década de 40, só retornaria ao sucesso de massas quando os ventos da redemocratização já sopravam, ali pouco depois de 1980.

Gonzaguinha, a essa altura, um songwriter premiadíssimo, foi fundamental para o "revival" do, agora rebatizado, pai: Gonzagão.

Antes disso, ao longo dos anos 70, Gonzaga havia ganhado, para as plateias dos grandes centros, aura cult, de cantor de MPB, uma turma que, nas palavras de Caetano Veloso, naquele tempo, arrastava "pequenas multidões" para seus shows.

Foi lenta a transição de volta ao estrelato.

Engana-se quem pensa que nos tempos em que o consideraram démodé, velha guarda ou cafona, Gonzaga parou de produzir. Sem esmorecer um só instante, tratou de cruzar a "parte de cima" do mapa de ponta a ponta, sempre à bordo de uma Veraneio que ele mesmo guiava e levando os músicos estritamente necessários para tocar onde quer que o chamassem: um zabumbeiro e um trianguleiro.

TV Globo? Só de vez em quando. Sucesso no rádio? Nos programas segmentados. Shows no "sul maravilha"? Em centros de resistência, como o Forró do Pedro Sertanejo.

Um verdadeiro artista independente. On the road. Do it yourself avant la lettre.

Ao descer do avião em São Paulo, o velho Lua passava, por causa de tudo isso, despercebido.

A equipe da agência, encerrados os trabalhos de gravação, levou o convidado especial para almoçar. Escolheram uma churrascaria fina nos Jardins.

Qual não foi a surpresa dos elegantes comensais nativos diante da chegada de um negro... desconhecido!

Os olhares nada hospitaleiros, no entanto, não foram suficientes para amedrontar a turma. Sentaram-se, fizeram os pedidos e cuidaram de dar vazão à felicidade que é poder repartir a mesa com um gênio da cultura do país que a gente ama.

Já perto da hora do cafezinho, o maître se aproximou do compositor e lhe disse: "Seu Luiz, o nosso chefe de cozinha é nascido no Exu e gostaria muito de lhe cumprimentar, mas não pode circular aqui pelo salão, então pediu para contar que é seu fã e tem muito orgulho de ser seu conterrâneo".

Gonzaga não teve dúvida. Levantou-se e foi até a cozinha apertar a mão de um por um dos rapazes e moças que suavam ao calor de grelhas, fornos e panelas. Foi aí que a babel de sotaques se fez ouvir. Paraibanos, piauienses, gente das Alagoas, do sertão, da praia, do Cabrobó, de Nísia Floresta, a nação nordestina encalistrada, como costuma ser até hoje em dia, nas entranhas da produção capitalista, saudou o eterno Rei do Baião, poeta da emancipação identitária, cantor maior do orgulho popular brasileiro.

Satisfeito, conta paga, amigos abraçados, Luiz Gonzaga ajeitou no rosto o indefectível par de óculos Rayban e, quase na rua, com a voz potente que a plenitude da maturidade artística tornava inconfundível, soltou essa:

"Tá vendo, minha gente? Se não fosse o Nordeste, São Paulo não comia".

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