28 de dezembro de 2016
SENSO DE MEDIDA
Eu sou artista há mais de 40 anos e se eu tivesse, em algum momento, conseguido fazer uma música só, não do Chico, mas do Caetano; não um clássico do Tom, mas um samba do Paulinho da Viola; se eu tivesse escrito, não uma obra-prima do Bandeira, mas um dos bons poemas concretos do Augusto de Campos; tivesse pintado, não um Matisse, mas um Volpi; tirado não uma foto do Capa, mas do Brassaï; se eu fosse autor, não de um conto do Torga, mas de um romance do Saramago, de um solo do Costita, não do Coltrane, enfim, de qualquer uma, não mais que uma, dessas criações, eu morreria me sentindo o pica-das-galáxias do meu quarteirão, por ter sido capaz de ultrapassar - ainda que uma vez somente - os limites de tudo que produzi ao longo da vida inteira. Por isso, causa-me estranheza ver que há quem acredite que a Carrie Fisher tinha problemas por ser atriz de um papel só, quando o papel em questão é o de uma das personagens do núcleo central da saga Star Wars. É necessário, para tanto, desconhecer, ou menosprezar, o enorme mistério que envolve a consagração dos ícones da cultura - popular, ou erudita - em qualquer tempo ou lugar em que esse milagre re-aconteça. Soa inteiramente desprovido de sentido considerar mais importante aparecer em vários filmes do que entrar para a História como a escolhida que interpretou a Princesa Leia, líder da Aliança Rebelde contra o Império Galáctico, gêmea do Luke Skywalker, filha do Darth Vader e amiga do Chewbacca. Na hipótese de que Carrie, segundo declarou em entrevistas, se sentisse presa ao papel como numa armadilha montada pela cruel (não há ironia no uso do adjetivo) indústria cinematográfica, a solução continua a me parecer fácil: telefonar e pedir umas dicas para o Harrison Ford. Os dois foram colegas de set, dizem que até namoraram, ele passou pelo mesmo problema e, pelo jeito, se resolveu a contento.
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