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7 de janeiro de 2016

FRANGO, SAMBA, ROCK, POLENTA E A SAMPA DOS ANOS OITENTA

A notícia do encerramento das atividades do Restaurante São Judas Demarchi me fez lembrar de algumas coisas do mundo da MPB nos primórdios da década de 80 do século XX.

Entre as inúmeras possibilidades de assistir músicos ao vivo na São Paulo daquele tempo, havia dois polos muito procurados.

Às ruas do Bexiga, de bares pequenos, ia quem queria ouvir o repertório da Elis, do João Bosco, do Chico, da Gal, da Bethânia, do Gonzaguinha e congêneres. Cantavam sentados os músicos e ouviam sentados os frequentadores.

Para a Avenida Ibirapuera ia a turma que curtia o que, na época, chamávamos de sambão. Os clássicos do Ciro Monteiro, do Jair Rodrigues ou do Noite Ilustrada se misturavam aos sucessos de rádio da Clara Nunes, do Benito de Paula, Martinho da Vila, Alcione, Luiz Airão, Agepê. Dançava-se no palco e no salão. A "casa" paradigma da Ibirapuera era a do Sargentelli e tinha "show de mulatas".

Um terceiro polo, mais escondido, ficava justamente nos restaurantes da Rota do Frango com Polenta em São Bernardo. Lá o que mais se tocava era o estilo que Jorge Ben inventou, muito apreciado em São Paulo*, um samba com influências de música negra americana e o set de acompanhamento sistematizado pelo Trio Mocotó: violão, pandeiro e timba.

O sambalanço do Demarchi abraçou feliz as novidades da virada de década. Estava inteiramente preparado para assimilar o Rock BR das bandas que surgiram por volta de 83 e 84, assim como antes conversava sem susto com a influência da Jovem Guarda ou com as baladas românticas na linha Roberto Carlos. Sempre com a levada nascida da munheca do Jorge Ben, começava a fermentar ali um estilo que viria a dominar durante anos a cultura musical de massas, o chamado "pagode romântico", ou pejorativamente, "pagode mela-cueca". Os músicos eram tão ostensivamente sorridentes que não demorou quem batizasse o novo estilo de "pagode dos Ursinhos Carinhosos".

De lá para cá muita coisa aconteceu. A MPB que se ouvia no Bexiga cristalizou-se e permanece praticamente intacta, apresentada, salvo exceções, como se entrássemos numa cápsula do tempo. Ganhou um novo nome: "Som de Barzinho". O sambão-joia feito pra turista sequer resistiu aos anos 80, substituído pelos pagodeiros pop e por uma revitalização do samba de raiz que, em anos recentes, se espalhou pelo país inteiro.

O Restaurante São Judas, nos anos 90, recebeu 11 mil pessoas em um único Dia das Mães.

A casa podia atender 65 mil clientes por mês. Servir entre cinco e seis toneladas de frango por semana. Num único salão poderia acomodar 2.850 pessoas.

O dono bota a culpa na crise, mas logo se contradiz: "Não existem mais restaurantes com esse tamanho, e com os custos que isso demanda. Hoje as casas são pequenas, com alta rotatividade. Há anos os resultados vêm diminuindo".

Ou seja, o maior restaurante da Rota do Frango com Polenta, assim como a boêmia no Bexiga e as casas de samba da Avenida Ibirapuera são retratos de um outro tempo. Não só de um Brasil diferente, mas de um mundo que se transformou em seus aspectos mais profundos.

* Para saber da influência de Jorge Ben entre os paulistas, o documentário lançado pelos Racionais MC's como extra do DVD "Mil Trutas, Mil Tretas".


Para ler a matéria da Folha sobre o encerramento das atividades do Restaurante São Judas Tadeu, em São Bernardo do Campo:


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