Sunday, June 30, 2024

30 de junho de 2022

VELOZES & FURIOSOS

O comentário é a alma do negócio na economia das redes sociais. Cada comentário impulsiona novamente o post publicado para a roleta dos feeds de leituras dos amigos.

Sem comentários, o post flopa.

Longa vida aos comentários! 🙌

Mas é aí que aparecem os comentaristas 'velozes' e os comentaristas 'furiosos'.

Os 'velozes' não chegam nem a ler o texto inteiro, já têm algum reparo a fazer. Sempre reparo. Alguma vírgula que faltou, uma informação que, diz o comentário, está imprecisa, etc.

Os 'furiosos', apesar de também serem velocíssimos, capricham é na força do pé que enfiam na porta. A 'imprecisão', para o furioso, é 'mentira'. A 'vírgula', erro de português. O furioso é o plantonista da indignação. Perde o amigo, jamais o esporro.

Os 'furiosos', assim como os 'velozes', amam a 'treta'. Antigamente a gente dizia 'barraqueiros', mas, evidente que essa é uma expressão racista que só serve para estimular o apetite de velozes e furiosos.

'Velozes & Furiosos' formam uma espécie de Corregedoria de Administração da vida alheia, cuidando para que tudo fique 'nos conformes'. As corregedorias, como se sabe, estão submetidas a um órgão superior, a Controladoria Geral da União.

Ou velozes, ou furiosos. Às vezes, ambos. Como a pressa é inimiga da perfeição e, filha do medo, a raiva é mãe da covardia, comentários velozes e/ou furiosos dão, como nos filmes da famosa franquia, horas de ação e violência desprovidas de conteúdo. É a busca pelo pelo no ovo, ou a porrada pura e simples comendo à toa, gerando aquele frenesi imediato, que, como no uso de drogas lícitas, vai exigir novas doses, frequentes, diárias.

O habitat natural dos 'Velozes & Furiosos' é o Twitter. Os hormônios jovens e a ambição empreendedora transformam a talvez rede do Elon Musk numa nau dos insensatos que sobe aos céus e despenca em menos de 15 minutos.

O Facebook tá mais pra Corrida Maluca. O Tik Tok, aquela série Carros, da Pixar. O Instagram, o Salão do Automóvel no Palácio de Convenções do Anhembi.

O ruim mesmo da presença de 'Velozes & Furiosos' é que eles engarrafam o trânsito dos comentários e empurram para o fim da fila as contribuições bacanas dos amigos.

Os comentaristas 'Velozes & Furiosos' buscam sempre garantir para si os primeiros lugares na fila. É assim que haters, spammers e bolsominions ganham a vida, inclusive. Recebem centenas de réplicas e entram na categoria 'mais relevantes' dos comentários nos posts de perfis com grande audiência. Ghosts in the machine.

Um monte de gente legal optou por passar longe dessas highways cheias de buracos. Elas sentem que as redes sociais não levam a lugar nenhum.

Tuesday, June 25, 2024

25 de junho de 2013

PELA REFUNDAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

autor: Dennis de Oliveira

O sentimento expresso pela população com o conjunto das manifestações nas últimas semanas é produto do desmonte do aparelho de Estado. Ele não se iniciou agora, mas foi aprofundado principalmente durante a vigência do ideário neoliberal nos anos 1990. Naquele momento, disseminava-se a ideia de que um bom governante é aquele que tinha “responsabilidade fiscal”, isto é. que adequasse os gastos com as receitas obtidas. Por isto, a chamada Lei da Responsabilidade Fiscal ficou conhecida como uma norma que iria moralizar e modernizar a gestão pública. Moralizar porque iria impedir que os governantes usassem mal o dinheiro público, seja pelo superfaturamento ou pela corrupção.

Omite, esta discussão, que o que sangra os cofres públicos não é a corrupção ou o superfaturamento (embora, ressalto, estas práticas imorais devam ser combatidas) mas sim o pagamento de juros e serviços da dívida. Segundo dados oficiais, 42% do Orçamento federal deste ano está comprometido com o pagamento de juros e serviços da dívida pública. Isto significa 900 bilhões de reais, maior que qualquer orçamento em área social, seja para manter as universidades públicas, o Bolsa Família, a saúde, etc. É dinheiro público que engorda os cofres dos rentistas, dos especuladores com títulos públicos. A grande maioria dos economistas que fazem suas “análises” na mídia hegemônica são consultores destas empresas que vivem da especulação, por isto omitem esta informação e focam que o problema do país é a gestão pública.

O governo Dilma iniciou, no ano passado, um movimento de corte de juros da taxa Selic que indexa a dívida pública. A mídia hegemônica e seus “economistas” começaram a gritaria. Intensificaram as críticas. O objetivo do governo Dilma, porém, não era apenas reduzir o impacto da dívida no Orçamento, mas também reduzir a taxa de juros cobradas no mercado para induzir ao desenvolvimento industrial. Apostou em uma contradição interna das classes dominantes entre o capital rentista e o capital industrial e produtivo. Porém, a tentativa de administrar este conflito das classes dominantes esbarrou em alguns pontos:

a-) A estrutura produtiva industrial brasileira está montada em um modelo monopolizado, voltado em boa parte para atender demandas externas e de uma classe privilegiada. Embora há um mercado em expansão, não está montada para atender um mercado consumidor de massas. Por isto, prefere maximizar os lucros pelo aumento dos preços (o que gera inflação) e atender apenas parte deste mercado em crescimento. O monopólio existente em vários setores impede que as regras da concorrência controlem os preços.

b-) A disseminação forte de uma ideologia do consumismo por parte deste modelo transforma a luta social de “luta de classes” em uma “aspiração global para ser classe média” como afirma o pensador Goran Therborn (no texto Classes sociais no século XXI publicado na revista New Left Review). A disseminação do consumismo e a impossibilidade de realizá-lo plenamente leva a estas explosões de revolta aparentemente sem foco, mas direcionadas a tudo o que é vinculado às instituições que tradicionalmente representam o espaço político, como partidos, organizações sociais e mesmo a mídia.

Este desenvolvimento buscado ocorre sem uma profunda reformulação no aparelho institucional de Estado. Ele foi praticamente dizimado com o ideário neoliberal nos anos 1990, houve uma tentativa de recuperação do mesmo a partir do governo Lula – como exemplo, cito a expansão do ensino superior público em tendência inversa à forte privatização ocorrida nos anos 1990. Porém, parte da demanda por ensino superior foi atendida pelo atual governo por meio do ProUni, programa de bolsas que acabou por fortalecer o ensino superior privado. O aumento da inserção de afrodescendentes no ensino superior ocorreu por meio do ensino superior privado, conforme demonstrei em coluna publicada na edição impressa da revista Fórum em abril deste ano. Houve, assim, um deslocamento da ideia de cidadania garantida por meio de direitos públicos para a construção de condições de todos serem consumidores. Não é a toa que os governistas de plantão – e a própria mídia – chamam a expansão da classe trabalhadora de “nova classe média”.

Olhando as pesquisas feitas pelo DataFolha e Ibope se constata que os problemas mais citados são saúde e educação. Além disso, que a esmagadora maioria não se sente representada pelos partidos políticos e pelos poderes constituídos. A mídia hegemônica faz a leitura ideológica de que isto se trata de uma insatisfação “geral” contra o governo, apesar dos índices de popularidade de Haddad e Alckmin terem aumentado após os mesmos anunciarem a redução das tarifas e os de Dilma permanecerem inalterados (segundo dados parciais da própria pesquisa do DataFolha – ainda não entendi porque não foi publicada a íntegra da pesquisa). E a mídia diz que esta insatisfação é por conta da “corrupção” e dos “gastos com a Copa do Mundo”, contrariamente ao que indica os resultados da pesquisa do Ibope que apontam 24% e 5% respectivamente para estes motivos., bem abaixo de saúde, educação e o preço dos transportes públicos. Os dados mostram também que a maioria criticou a ação da Polícia Militar nas manifestações.

Saúde, educação, transporte público, policiamento, crítica ao sistema representativo, manipulação da mídia hegemônica… O que estes itens apontam? Para a necessidade de uma reformulação radical das instituições tanto no seu formato representativo e na definição das suas prioridades e funções. É isto que chamamos de uma ação pela refundação do Estado brasileiro que garanta uma democracia de cidadãos e não de consumidores e que recupere o poder normatizador e regulador público. Democracia não se faz negociando com os que sempre detiveram o poder no país: grande capital industrial e rentista, monopólios da mídia, instituições voltadas para a manutenção de privilégios.

Tuesday, June 11, 2024

11 de junho de 2016


AO MESTRE SEM CARINHO

Alguém já leu algum livro do Renato Janine Ribeiro? Eu não lembro de nenhum. Não tenho notícia: ele escreveu alguma obra das chamadas "de referência"? Não, né? Em princípio, e espero estar enganado, Janine é mais um professor da USP. Eu, que não sou de muitos amigos, conheço pelo menos uns 15 professores da USP. A produção de nenhum deles fica a dever pro ex-ministro. Vários dão de 10. Janine, como intelectual, nunca ultrapassou a média. Mas, de longe, é o professor da USP mais famoso do Facebook.

O Facebook é um grande corredor de vitrines. Olha-se o que está exposto nas diferentes lojas, mas, na maior parte do tempo, o que a gente enxerga é o próprio reflexo.

O segredo do sucesso do professor é o mesmo de todas as celebridades do Livro de Caras: jogar pra torcida.

Janine, quase invariavelmente, deixa pra se manifestar quando o senso comum já cristalizou uma ideia. Some-se ao procedimento a habilidade de permanecer equilibrado no alto do muro e o alcance do discurso se alarga até muito longe. Atua na média da curva. Por isso atinge tanta gente.

O diferencial é que ele empresta voz de autoridade para o senso comum.

O senso comum é coisa muito importante. Hannah Arendt diz que é o sexto sentido humano. O sentido que garante que não estamos "vendo coisas", delirando. Ele traz também consigo, claro, seus perigos. É o senso de manada. O disparador de mecanismos nossos muito primitivos. Pode guiar os linchamentos, por exemplo.

Pior do que um intelectual que encaixa o senso comum em molduras douradas é o intelectual a quem falta o rigor. No post mais recente de Janine, está escrito, logo no início: "Com atraso, a esquerda reage. Os erros foram muitos – a inabilidade política de Dilma, a demora de Lula a aceitar o ministério, a ingratidão dos beneficiados por 12 anos de políticas públicas quando as vacas emagreceram". Começamos mal quando as mães do Bolsa Família, os bolsistas do Prouni, ou o celetista abaixo de 5 salários mínimos são computados no campo "esquerda" da planilha. E piora se "ingratidão" vira categoria política. Difícil seguir em frente a partir daí.

Mas vamos.

"O empresariado apoia, na falta de coisa melhor, o governo que está aí". Ou escreve mal, ou é reaça, ou não leva a sério o Facebook e escreveu nas coxas. O que quer dizer essa frase? Que a gestão Dilma justifica o empresariado apoiar o Golpe? Isso no mesmo dia em que Rudá Guedes Ricci compartilha artigo sobre o patrimonialismo atávico do setor produtivo privado brasileiro (na foto do artigo: Paulo Skaf)? Difícil, professor!... mas, sigamos.

O uspiano Janine repisa a tese do encantamento perdido do PT e, com isso, despreza duas pesquisas da maior seriedade: a que o professor Marcos Nobre desenvolve sobre o peemedebismo (e suas imposições) e a do professor André Singer sobre o lulismo (e suas limitações). Ao, em seguida, menosprezar a força do ataque da Direita na construção de nossa atual ruína deixa de lado o debate que se iniciou ainda em 2010 sobre o crescimento da onda conservadora liderada pelos setores partidários das igrejas neopentecostais. A perda da hegemonia da esquerda é reflexo de um conjunto de fatores muito mais complexo do que a "gritaria" que elegeu o PT como o "único partido corrupto do país". Reduzir, aliás, a esquerda ao PT é outro cacoete comum ao senso comum do Facebook.

O erro mais crasso do post, no entanto, é aquele que forma o núcleo da argumentação. A saber, a esquerda, com atraso, reage. Ontem, Dia Nacional de Luta contra o Golpe, foi, segundo Janine, o discreto turning point da resistência, o ponto do percurso que indica que "começa a ser possível desfazer o impeachment". Bobagem. A foto que ilustra este meu comentário não deixa dúvida: o ato de ontem na Paulista foi dos mais esvaziados dos últimos tempos. Repare: a multidão se desfaz antes da primeira transversal. O 17 de março, não muito grande também, levou quase o dobro de gente. É com esses relativos êxitos e fracassos que a resistência vem sendo formulada e não de qualquer outra maneira. A temperatura da manifestação ontem na avenida, segundo os relatos, estava inversamente proporcional aos termômetros da capital. Lula botou fogo. Mas na velha militância. Onde isso se diferencia do que vem acontecendo desde o final de 2015, momento das primeiras grandes concentrações vermelhas? Ou dos primeiros escrachos do Levante Popular da Juventude? O crescimento tem sido constante, contínuo. É tática conhecida: pressão ininterrupta. Qualquer manual de guerrilha ensina isso. Tem alguém reagindo com atraso nessa história. É o professor Renato Janine Ribeiro.

"Nos seus olhos também posso ver as vitrines te vendo passar" diz a letra de Chico Buarque. A tradução poética da vaidade, do autocentramento. O jogo de espelhos do Facebook, quando trata de política, sempre tende ao voluntarismo, ao "desejo de potência". Ao pensamento mágico. Autocentramento não dá em potência. Dá em onipotência, que por sua vez, gera sintomas de depressão. Janine tem contribuído para a perenidade do mito da "vontade política". A grande falácia das esquerdas que, 50 anos depois do Golpe de 64, talvez, estejamos vendo ser, finalmente, posta diante da prova de realidade, pelas mãos da mãe-boa-o-suficiente Dilma Rousseff.

Quem "faz" a história, caro professor, são os narradores. Nós, quando muito, padecemos a história. Por isso, narrar é coisa pra ser levada muito a sério. Não pode ser tratado como quem escreve pros amigos do Facebook antes de dormir.