Sunday, August 04, 2024

CENTRO DE CONTROLE DE ZOONOSES INFORMA


O Darwin deu o toque, lembra? O ser humano é, entre outras coisas, bicho. E - isto é sabido desde a Antiguidade - é bicho de rebanho. O Nietzsche tratou do tema, também, né? Por exemplo: o eremita não vive só, vive apartado. A condição do eremita é definida pela distância em relação a um grupo. "No man is an island", essa quem falou foi o John Donne.

Fora do bando, assim como as abelhas, os gnus, ou os chimpanzés, o bicho homem apenas perece.

Sendo animal de rebanho, os seres humanos estamos familiarizados, entre outras coisas, aos modos do rebanho. Líder alfa, lei do mais forte, sobrevivência, seleção natural, agrupamento para ataque e fuga, infanticídio seletivo, demarcação de território, etc.

O nome do nosso rebanho é Sociedade. Aquele estado de vida em comum determinado pela mais pura necessidade de sobreviver enquanto espécie. Um estado pré-político.

Por isso, sempre que vejo alguém se arvorando em sabedor daquilo que "interessa verdadeiramente à sociedade brasileira", imagino logo um gorilão, uma zebra ou um suricato em seus rituais confirmatórios, do tipo "quem manda aqui sou eu". É muito claro que esse cara está apelando ao nosso mais primitivo, animalesco, instinto de horda. Ainda que faça uso sistemático de pesquisas que indicam 93% de preferência nisso, 82% contra aquilo. E fale em "maioria", ao invés de falar "rebanho". 

Essa entrega efusiva a um grupo já consolidado, a uma tradição social, à identificação com um líder ou um povo, a fé num Deus ou agremiação salvadora é a forma mais imediatamente acessível de suprimir a fragilíssima particularidade do sujeito individual. Em última instância, são fórmulas mais ou menos sofisticadas de perduração na espécie, que destrói os particulares, mas conserva e reproduz indefinidamente o genérico.

Há, sem dúvida, os que se afiliam automaticamente a essa via da imortalidade coletiva, mas não são todos. Historicamente, nem chegam a ser muitos. Os demais sujeitos ou não o fazem totalmente, ou não principalmente. Ou seja, colocam-se o problema de imprimir uma marca irrepetível e distinta à fórmula da sobrevivência, requerendo a cumplicidade e o apoio da coletividade, claro, mas negando-se à via despersonalizada dos que "renunciam à sua alma para salvá-la melhor”.

Todo esse último trecho é de autoria do filósofo e professor Fernando Savater. Savater escreve sobre Ética. Os bichos apresentam comportamentos. Nós tomamos atitudes. Os bichos não têm conduta, apenas códigos genéticos.

Só os humanos publicam tratados de Ética. O "animale rationale" é ao mesmo tempo "bios politikos". Só os seres humanos negociam sua vida coletiva. O retrocesso às leis imutáveis da maioria tem nome: barbárie.

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