Bota-fora
Nas ruas de Roma não faltava quem dissesse que bom mesmo era o tempo do Mussolini, quando os trens não atrasavam um só minuto. Meus pais estavam longe de pensar assim, mas a notícia da greve dos ferroviários nos forçou a antecipar os planos de partida: em vez de tomarmos o trem noturno para Gênova, um micro-ônibus nos levaria numa viagem bem mais demorada. Minha mãe no fim das contas até gostou, pois durante o dia teríamos belas paisagens da Úmbria e da Toscana para admirar. E às vésperas do nosso bota-fora começou o entra e sai de carregadores lá em casa para encaixotar e embarcar num caminhão de mudança a livralhada do meu pai, os vidros de Murano, os objetos mais volumosos ou pesados. Fiz questão de acompanhar a embalagem da minha bicicleta, e nos caixotes com a vitrola e os álbuns de discos minha irmã mais velha mandou colar a etiqueta FRAGILE. O violão ela não despachou, iria para cima e para baixo com ele a tiracolo.
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Bambino a Roma. © 2024, Chico Buarque. Companhia das Letras.
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