Sobre a Escrita
Meu quarto na casa de Durham ficava no segundo andar, e o teto era inclinado. À noite eu ficava deitado na cama — se me levantasse subitamente, podia bater a cabeça de jeito — e lia sob a luz de um abajur que projetava sombras de jiboias no teto. Às vezes, os únicos sons da casa eram o sibilar da calefação e os ratos andando no sótão; às vezes, por volta da meia-noite, minha avó passava uma hora gritando para que alguém fosse dar uma olhada em Dick — ela temia que ele não tivesse sido alimentado. Dick, o cavalo de minha avó na época em que era professora, estava morto havia pelo menos quarenta anos. Havia uma escrivaninha do outro lado do quarto, uma velha máquina de escrever Royal e uns cem livros, a maioria de ficção científica, enfileirados ao longo do rodapé. Na escrivaninha havia uma Bíblia, que ganhei por memorizar versículos na Juventude Metodista, e uma vitrola Webcor com sistema de troca automática de discos e prato coberto de veludo verde. Era nela que eu ouvia meus discos, a maioria em 45 rotações, de Elvis, Chuck Berry, Freddy Cannon e Fats Domino. Eu gostava do Fats, ele sabia como agitar o público e dava pra ver que se divertia tocando.
Quando recebi a carta de recusa da Alfred Hitchcok's Mistery Magazine, bati um prego na parede sobre a Webcor, escrevi Selos Felizes* na carta e espetei lá. Depois me sentei na cama e fiquei ouvindo Fats Domino cantar I'm Ready. Eu me senti muito bem, na verdade. Quando ainda se é jovem demais para fazer a barba, o otimismo é uma reação mais do que legítima ao fracasso.
CURRÍCULO / 16. Sobre a Escrita. © 2000 Stephen King. Tradução de Michel Teixeira. Editora Suma, 2021, 12ª reimpressão.
* O título da história recusada.
📷: Stephen King, o teto inclinado, a máquina de escrever e The Glass Floor, sua primeira história publicada. A foto, que aparece na contracapa das edições norte-americanas de Os Justiceiros, foi tirada e revelada por Dave, irmão mais velho de King.
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