O Beatle Recalcitrante
Tudo começou em agosto de 1963, tão subitamente como se um gigantesco interruptor tivesse sido acionado (...).
O gatilho foi o quarto compacto dos Beatles, She Loves You (...): essa eles nem precisavam cantar; era só balançar os cabelos, fechar os olhos e entoar o "Uuuuu!" (...) em falsete para alçar o frenesi da plateia a novos patamares.
Aquelas jovens e pré-adolescentes consideravam aqueles quatro veteranos da zona portuária de Hamburgo brinquedos fofinhos que você apertava na barriga e eles cantavam "Uuuuu!". (...)
Certa vez, George, numa divertida coletiva, afirmou gostar das balas de goma Jelly Babies. (...) depois disso, em todos os shows ao vivo dos Beatles, o palco recebia uma chuva de Jelly Babies.
No dia 5 de novembro, no show Royal Variety Performance, na presença da Rainha Elizabeth, John cativou o público pedindo ao povão das galerias que batesse palmas enquanto a plateia baixa "chacoalhava as joias".
(...) Na manhã seguinte, o Daily Mirror, que vendia seis milhões de cópias, publicou um editorial:
Como é "revigorante ver esses jovens e estridentes Beatles em plena Royal Variety Performance pegar a plateia de meia-idade pelo cangote e a contagiar como se fosse composta por adolescentes"...
Daí em diante, os jornais que antes não tinham uma só palavra boa a dizer sobre a música pop, agora não tinham uma só palavra ruim a dizer sobre os Beatles.
Ser um Beatle podia ser divertido. (...)
Mas nem tudo era só diversão, como quando tiveram que apertar a mão dos primeiros 1.000 fãs que compraram ingresso para a convenção do Fã-Clube dos Beatles, Seção Sul, no salão de baile Palais, de Wimbledon. Primeiro fizeram um show, não no palco do salão, mas na plataforma de madeira que os organizadores construíram atrás de uma gaiola de aço. A multidão se comprimiu contra a gaiola com tanta força que John afirmou que "logo passariam por ali em fatias".
No meio do show, George disse: "Não vou fazer isso", juntou as coisas, foi até a porta do palco e tentou pegar um táxi. (...) Daí John apareceu com a guitarra e falou: "Bem, se ele vai embora, eu também vou". Mas terminaram o show e apertaram a mão de todos os fãs... na verdade, umas mil vezes, porque [os fãs] sempre voltavam para o fim da fila.
Para George, a escola costumava parecer uma jaula, com o uniforme, as regras e as ordens intermináveis que precisavam ser obedecidas. Mesmo com o dinheiro, o frenesi das fãs e os inúmeros novos privilégios, ser um Beatle seria assim tão diferente?
9. "Sempre fui muito cruel com o George". George Harrison: o Beatle Relutante, Parte 2. © Philip Norman, 2023. Tradução de Henrique Guerra. Editora Belas Letras, 2024.
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