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9 de janeiro de 2018

O 'an-alfabeto' simplesmente não existe. Não há alguém que não acesse a língua escrita em alguma medida. Os especialistas preferem falar em 'níveis de alfabetismo', que podem ser, isto sim, muito baixos em relação às necessidades médias do cidadão moderno e urbano. Mas zero, nunca.

O que está por trás da pseudo-polêmica do pseudo-escritor Agonialdo Silver é aquilo que a legislação brasileira denomina 'letramento'. O conjunto de saberes que permite o uso eficaz da leitura e da escrita. Que, não esquecem os especialistas, é uso cujo valor se determina socialmente. No Google um link leva à seguinte definição: 'Letramento é o estado ou condição que adquire um grupo social ou indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita'.

Por princípio, o lugar onde se mensura o conhecimento é a escola. Que no Brasil não é universalizada e, portanto, serve como o mais clássico filtro para determinar, na entrada, o 'estado' ou 'condição' dos grupos sociais, assim como serve para 'certificar' o cidadão ao final do processo.

O grande recorte, portanto, aquele que predispõe no início e atesta no final o 'estado' ou 'condição' do brasileiro, é a escolarização. O traço comum entre as classes médias e a elite é ter ido à escola. E, por óbvio, também o que as distingue dos grupos ditos subalternos. Esses vão à escola, mas... só um pouquinho. Não o 'suficiente'. E assim cumprem o destino pré-traçado de não alcançar a 'certificação'. De permanecer 'não-certos' aos olhos da norma social.

Agonialdo Silver, que escreve folhetins de quinta categoria, ironicamente destinados à fruição ágrafa, associa à figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atributos como grosseria, ignorância, desleixo, preguiça. 'Defeitos' de pobre. Ou, mais ainda, 'vícios' de pobre. Que, segundo a lógica social brasileira, seriam corrigidos através da educação.

Sarney é da Academia Brasileira de Letras. Michel Temer professor da pós-graduação do Direito na USP. Paulo Maluf engenheiro. Fernando Henrique Cardoso uma espécie de 'príncipe filósofo'. Não basta para esclarecer que a escola não 'corrige'? Precisa lembrar que o Abdelmassih é médico? Que a Adriana Ancelmo é advogada? Ou tem que ir mais longe, até os oficiais nazistas amantes da pintura, da arquitetura e da música de concerto?

'Analfabeto' é uma palavra próxima de não ter sentido algum. O uso que se faz dela desde sempre no Brasil é que é carregado de significados. Parece apenas tolo insistir no desapreço de Lula pelos livros. Sobram testemunhos de gente próxima a ele dando conta de que não apenas lê, como lê à beça e há décadas. Muito do que Lula demonstra saber passa inevitavelmente pelos livros. Negar isso não é burrice, ou mesmo incapacidade de reconhecer os saberes letrados quando estes se presentificam. É atestado de preconceito de classe.

Lula permanece, principalmente no jeito de falar, parecido com a gente pobre de sua origem. E com isso se contrapõe ao senso comum tão brasileiro do cidadão 'incompleto', do cidadão despreparado para a vida democrática, porque não foi à escola.

Parece provável que o ódio que atinge Lula é o ódio destinado ao que ele representa.

O Brasil ainda não está convencido da ideia que define a democracia não como o governo 'de todos' e sim como o governo de 'qualquer um'.

Para manter em funcionamento essa nossa perversa 'teoria das elites' o modelo de escola excludente que caracteriza a Educação brasileira é fundamental.

Claro que na sociedade da informação o custo da baixa escolaridade é cada vez mais alto, mais determinante. E que o acesso a inumeráveis bens culturais pressupõe as habilidades do letramento.

Há, porém, também uma vasta gama de conhecimentos que independem da língua escrita. Ler e escrever só recentemente foram reconhecidos como direito universal. Mas a sabedoria não. Esta, apesar de quase impossível de alcançar, permanece, desde tempos imemoriais, à disposição de qualquer um.

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