Sunday, July 02, 2023

Crítica à Razão Dualista


No plano teórico, o conceito do subdesenvolvimento como uma formação histórico-econômica singular, constituída polarmente em torno da oposição formal de um setor "atrasado" e um setor "moderno", não se sustenta como singularidade: esse tipo de dualidade é encontrável não apenas em quase todos os sistemas, como em quase todos os períodos. Por outro lado, a oposição na maioria dos casos é tão-somente formal: de fato, o processo real mostra uma simbiose e uma organicidade, uma unidade de contrários, em que o chamado "moderno" cresce e se alimenta da existência do "atrasado", se se quer manter a terminologia.

O "subdesenvolvimento" pareceria a forma própria de ser das economias pré-industriais penetradas pelo capitalismo, em "trânsito", portanto, para as formas mais avançadas e sedimentadas deste; todavia, uma tal postulação esquece que o "subdesenvolvimento" é precisamente uma "produção" da expansão do capitalismo. (...) na grande maioria dos casos, as economias pré-industriais da América Latina foram criadas pela expansão do capitalismo mundial, como uma reserva de acumulação primitiva do sistema global; em resumo, o "subdesenvolvimento" é uma formação capitalista e não simplesmente histórica.

Ao enfatizar o aspecto da dependência - a conhecida relação centro-periferia -, os teóricos do "modo de produção subdesenvolvido" quase deixaram de tratar os aspectos internos das estruturas de dominação que conformam as estruturas de acumulação próprias de países como o Brasil: toda a questão do desenvolvimento foi vista pelo ângulo das relações externas, e o problema transformou-se assim em uma oposição entre nações, passando despercebido o fato de que, antes de oposição entre nações, o desenvolvimento ou o crescimento é um problema que diz respeito à oposição entre classes sociais internas.

Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto elaboram uma teoria da dependência cuja postulação essencial reside no reconhecimento de que a própria ambiguidade confere especificidade ao subdesenvolvimento, sendo a "dependência" a forma em que os interesses internos se articulam com o resto do sistema capitalista. Afastaram-se, assim, do esquema que vê nas relações externas apenas oposição a supostos interesses nacionais globais, para reconhecerem que, antes de uma oposição global, a "dependência" articula os interesses de determinadas classes e grupos sociais da América Latina com os interesses de determinadas classes e grupos sociais fora da América Latina. A hegemonia aparece como o resultado da linha comum de interesses determinada pela divisão internacional do trabalho, na escala do mundo capitalista.

Francisco Oliveira. Crítica à Razão Dualista / O Ornitorrinco. Boitempo Editorial, 2003.

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