Wednesday, January 17, 2024

17 de janeiro de 2013


O CANTO DA SEREIA

Andando por aí no Twitter e no Facebook, parece que o pessoal está surpreso que exista oposição ao Governo. Bem, sempre haverá. Ainda mais porque o resultado das urnas passou muito perto de ser empate!

Oposição é do processo democrático. O que não é do processo democrático é Golpe de Estado. Aliás, é o contrário.

Temos sido, nós brasileiros, vítimas das piores práticas da antipolítica. Antipolítica é o mesmo que dizer violência. E o 'acordo nacional com Supremo com tudo' em 2016 era já violência tanto quanto o quebra-quebra na Praça dos Três Poderes, o Capim Tólio.

Montar o 'maior escândalo de corrupção da História' a partir de denúncias arquitetadas por um notório ladrão, o Bob Jeff, foi também violência.

O lawfare e a prisão do Lula, idem.

A fraude eleitoral de 2018, à base de impulsionamento massivo de WhatsApp financiado por Caixa 2, nem fale!

Agora, o que deveria ser um dos ingredientes indispensáveis da labuta democrática, a oposição, está tudo contaminado pela antipolítica. Fake news a rodo nos esgotos dos aplicativos de mensagem repetem o modus operandi da Grande Mídia, que inventou tríplex, sítio, pedalada, desvios, carros de ouro, etc.

As coisas não se dão por acaso.

Mas nos esgotos dos aplicativos de mensagem as coisas saem do controle de um modo que ainda surpreende, inclusive a Grande Mídia.

Não é o caso, na minha humilde opinião, de combater a antipolítica no campo da antipolítica. Isso seria o mesmo que aceitar o convite da sereia do lodo do cartum da Laerte. Cair na armadilha.

Tampouco se vence a antipolítica com... política. A política é um jogo limpo, por definição. Por isso mesmo, fragilíssima. A antipolítica destrói a política, que passa a ser inútil.

A política só é possível num espaço contido por regras. E o que pode garantir as regras é o império da Lei.

O império da Lei é garantido pela Justiça e pelas forças da Ordem.

Em resumo: as práticas criminosas da suposta oposição ao Governo Lula são um enorme 'caso de polícia' e só assim devem ser tratadas. Desmentir fake news, apesar de inevitável, imprescindível e urgente, é o mesmo que enxugar gelo.

A crise da pós-verdade é mundial. Ou se arrasta os bandidos pros tribunais (que nem o Steve Bannon), ou os bandidos vão continuar levando a melhor.



17 de janeiro de 2023


Quero crer que as Forças Armadas, assim como as Polícias, estão bravateando quando insinuam destituir o Governo eleito. Elas não dispõem de apoio amplo o suficiente para perpetrar um Golpe comme il fault (se dispusessem, perpetrariam).

Acontece que o pessoal que defende que este é o momento de desmilitarizar a PM, extinguir os exércitos, ou apenas punir exemplarmente comandantes e generais, está blefando também.

Ninguém dá indícios de estar preparado para discutir a verdadeira revolução que seria tirar do centro das decisões as autoridades militares e policiais de um país punitivista e encarcerador como o Brasil.

Tudo fica só no nível da retórica que, por essas bandas, quase sempre descamba pro pensamento mágico.

Nosso buraco, infelizmente, é muito mais embaixo.


Rolezinho 2014. 4


17 de janeiro de 2014

E ainda sobre os rolezinhos: política não trata das "diferenças". Trata dos "antagonismos".


Monday, January 15, 2024

Rolezinho 2014. 3

 O 'NEGÓCIO É FARRA'?

No caso dos rolezinhos, fica cada vez mais claro que há uma disputa de narrativas em curso. Ganha quem explicar melhor a "verdadeira" motivação dos meninos e meninas que comparecem às invasões nos shoppings.

Independente, no entanto, daquilo que os venha mobilizando, esses jovens praticaram, antes de mais nada, uma ação.

E a ação coletiva, ainda que seja decidida por pessoas individuais pelos mais variados motivos, só pode ser efetivada mediante algum esforço conjunto em que a motivação de cada um deixa de contar, de modo que a homogeneidade de origem deixa de ser um requisito.

Agir, no sentido mais geral do termo, significa tomar iniciativa, iniciar, começar, imprimir movimento a alguma coisa.

A ação tem uma sintaxe própria que a conduz do começo ao fim e que está diretamente ligada ao que é mais aparente, mais verificável a "olho nu" (O espaço político, segundo Hannah Arendt é, por definição, o espaço da aparência, daquilo que se mostra e pode ser visto por todos).

A consequência imediata dos rolezinhos é a de interromper o fluxo nos shoppings. Ainda que declarem que estão lá para "tirar umas fotos", "dar uns beijos", "rever os amigos", o efeito concreto é o de uma ação de desobediência, visto que há um conjunto de regras estabelecidas que todos os envolvidos conhecem e praticam e que é posto do avesso.

Por terem se iniciado poucos dias antes que a lei que visava proibir bailes funk em logradouros públicos viesse a ser sancionada pelo prefeito, é lícito supor que os rolezinhos sejam uma resposta a esse novo patamar de criminalização das atividades de lazer da tribo urbana dos funkeiros.

Política é o termo que herdamos dos gregos para designar o espaço artificialmente criado para as discussões referentes ao convívio em coletividade. É o espaço onde os assuntos são disputados, negociados entre os cidadãos. Onde consensos provisórios são pactuados.

Na disputa pela narrativa dos rolezinhos, ganhou força, desde ontem, a versão em que os meninos e meninas querem apenas farra.

O erro básico, parafraseando Hannah Arendt, "é ignorar a inevitabilidade com que os homens se revelam como sujeitos, como pessoas distintas e singulares, mesmo quando empenhados em alcançar um objetivo completamente material e mundano".


Sunday, January 14, 2024

Rolezinho 2014. 02

 https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/rolezinho-nas-palavras-de-quem-vai.html?fbclid=IwAR2YN0k9OiB673tNLnE4rRtdwQ1hqy5RKWTeTZu_H-MyPieJcmqEQm5-WYI


Rolezinho 2014. 01

11 de janeiro de 2014

ROLEZINHO É AÇÃO POLÍTICA

Não é correto reduzir os "rolezinhos" à sua "profunda ambiguidade": ser demanda igualitária quando contesta a exclusividade de espaços semipúblicos para quem tem dinheiro e, ao mesmo tempo, ao expressar fascínio pelo universo da mercadoria, ajudar a reproduzir a desigualdade contestada. Isso é verdade, como explicou o antropólogo Alexandre Barbosa Pereira ao <brasil.elpais.com> e como lembrou hoje André Singer em sua coluna na Folha. Mas não só.

Na esteira das jornadas de junho, os encontros de milhares de jovens de periferia em shoppings da cidade têm um "modo de fazer" que diz mais, talvez, até, que as demandas explicitadas por seus participantes.

Não se vai ao shopping "dar um rolê" com 5.000 pessoas. Você vai com 5.000 pessoas ao shopping para PARAR o shopping. Nenhum lugar desses tem estrutura para comportar um encontro de milhares de jovens todos-ao-mesmo-tempo e até o porcelanato das paredes das lojas sabe disso. O "rolezinho" vai ao shopping como o manifestante fecha a avenida, como o Ocupa Rio monta suas barracas, como os índios picham o Monumento às Bandeiras. É horizontal como uma passeata do MPL. E é "performance", igual ao black bloc. Negar-lhe essa intencionalidade, ainda que difusa, e mais  carnavalesca, é confinar a ação numa camisa-de-força "antropológica" ou sobrecarregar a análise de preconceito sociologizante. Rolezinho é ação política. Por estar ligada ao funk ostentação ou à vontade de ir ao "templo do consumo", ou mesmo por ser "bagunça", não é menos ação política. E quanto à sua finalidade - parar o shopping - não tem nada de ambíguo.

Sendo assim, a atitude das administrações de shoppings de impedir que outros eventos se repitam teria que estar prevista por essa garotada  necessariamente. Eles não são  e isso não está claro para nós que olhamos de fora  bobos e sabem que em qualquer disputa é preciso haver dois lados. Resta ver o fôlego do impulso político que moveu esses milhares de meninos e meninas. Em negociações sociais, quando uma porta se fecha, outras têm que ser abertas. É importante não perder de vista que o "lado contrário" irá defender sua posição. Cada nova porta só se abre ao ser forçada. Com a chegada da "repressão" iniciou-se um segundo tempo nessa partida. O alcance da "estratégia rolezinho" vai passar por sua primeira prova.

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1396595-policia-usa-bombas-de-gas-e-bala-de-borracha-em-rolezinho-em-sp.shtml

Sunday, January 07, 2024

7 de janeiro de 2016

FRANGO, SAMBA, ROCK, POLENTA E A SAMPA DOS ANOS OITENTA

A notícia do encerramento das atividades do Restaurante São Judas Demarchi me fez lembrar de algumas coisas do mundo da MPB nos primórdios da década de 80 do século XX.

Entre as inúmeras possibilidades de assistir músicos ao vivo na São Paulo daquele tempo, havia dois polos muito procurados.

Às ruas do Bexiga, de bares pequenos, ia quem queria ouvir o repertório da Elis, do João Bosco, do Chico, da Gal, da Bethânia, do Gonzaguinha e congêneres. Cantavam sentados os músicos e ouviam sentados os frequentadores.

Para a Avenida Ibirapuera ia a turma que curtia o que, na época, chamávamos de sambão. Os clássicos do Ciro Monteiro, do Jair Rodrigues ou do Noite Ilustrada se misturavam aos sucessos de rádio da Clara Nunes, do Benito de Paula, Martinho da Vila, Alcione, Luiz Airão, Agepê. Dançava-se no palco e no salão. A "casa" paradigma da Ibirapuera era a do Sargentelli e tinha "show de mulatas".

Um terceiro polo, mais escondido, ficava justamente nos restaurantes da Rota do Frango com Polenta em São Bernardo. Lá o que mais se tocava era o estilo que Jorge Ben inventou, muito apreciado em São Paulo*, um samba com influências de música negra americana e o set de acompanhamento sistematizado pelo Trio Mocotó: violão, pandeiro e timba.

O sambalanço do Demarchi abraçou feliz as novidades da virada de década. Estava inteiramente preparado para assimilar o Rock BR das bandas que surgiram por volta de 83 e 84, assim como antes conversava sem susto com a influência da Jovem Guarda ou com as baladas românticas na linha Roberto Carlos. Sempre com a levada nascida da munheca do Jorge Ben, começava a fermentar ali um estilo que viria a dominar durante anos a cultura musical de massas, o chamado "pagode romântico", ou pejorativamente, "pagode mela-cueca". Os músicos eram tão ostensivamente sorridentes que não demorou quem batizasse o novo estilo de "pagode dos Ursinhos Carinhosos".

De lá para cá muita coisa aconteceu. A MPB que se ouvia no Bexiga cristalizou-se e permanece praticamente intacta, apresentada, salvo exceções, como se entrássemos numa cápsula do tempo. Ganhou um novo nome: "Som de Barzinho". O sambão-joia feito pra turista sequer resistiu aos anos 80, substituído pelos pagodeiros pop e por uma revitalização do samba de raiz que, em anos recentes, se espalhou pelo país inteiro.

O Restaurante São Judas, nos anos 90, recebeu 11 mil pessoas em um único Dia das Mães.

A casa podia atender 65 mil clientes por mês. Servir entre cinco e seis toneladas de frango por semana. Num único salão poderia acomodar 2.850 pessoas.

O dono bota a culpa na crise, mas logo se contradiz: "Não existem mais restaurantes com esse tamanho, e com os custos que isso demanda. Hoje as casas são pequenas, com alta rotatividade. Há anos os resultados vêm diminuindo".

Ou seja, o maior restaurante da Rota do Frango com Polenta, assim como a boêmia no Bexiga e as casas de samba da Avenida Ibirapuera são retratos de um outro tempo. Não só de um Brasil diferente, mas de um mundo que se transformou em seus aspectos mais profundos.

* Para saber da influência de Jorge Ben entre os paulistas, o documentário lançado pelos Racionais MC's como extra do DVD "Mil Trutas, Mil Tretas".


Para ler a matéria da Folha sobre o encerramento das atividades do Restaurante São Judas Tadeu, em São Bernardo do Campo: