Tuesday, August 27, 2024

27 de agosto de 2020

O Palmério Dória tuitou, lá em 2016: "Lula dá o caminho das pedras: contra o estado permanente de golpe, só o estado permanente de campanha".

Por caminhos obscuros, Bolsonaro demonstra que conhece a estratégia. Tem levado claques, dessas que só existem em comícios, para as medíocres chegadas em campos de pouso do interiorzão do Brasil. Gritaria igual assim não se via desde os Beatles! E, quando parte, leva consigo a bomba do poço inaugurado, deixa barragem rompida... um Odorico Paraguaçu... piorado e sem graça.

Mas, o que estaria obrigando Bolsonaro ao 'estado permanente de campanha'?

Ora, o estado de golpe a que está submetido!

Bolsonaro é um acidente de percurso na construção da trama que se inicia com Roberto Jefferson em 2005 e chega ao seu desfecho com a deposição de Dilma Rousseff. O maior consórcio de forças da reação já visto nesse país foi quem elaborou, assinou e custeou o 'processo'. Se tivessem alternativa, jamais teriam colocado um pancrácio vocacional na cadeira. O enigma é: quanto de destruição essa elite do atraso pensa que o Brasil suporta? Darcy Ribeiro deve estar de queixo caído lá no Céu, diante do que a gente vê sendo perpetrado cá na terra.

De todo modo, parece claro que Bolsonaro é o sapo em fogo brando. Moro caiu fora. O gabinete do ódio foi desmantelado. Guedes cria a cada dia uma nova situação para ser demitido. Maia e Alcolumbre mordem e assopram na medida exata de comunicar 'quem é que manda'. Como bem notou uma face-amiga, o escândalo da deputada Flordelis é um prego e tanto no caixão do bolsonarismo. Arrasta a Primeira-Dama, Silas Malafaia, o ministro 'terrivelmente evangélico' a ser nomeado pro STF... Tem ainda Rio das Pedras, o filho Flávio... E a eterna sombra de Fabrício Queiroz.

O presidente acidental só tem viabilidade se se mantiver obediente aos patrocinadores. O Mito é o que o nome sempre quis dizer: fantasia. Em seu núcleo duro fica reduzido a um gueto.

Golpes no Brasil são urdidos com calma e perseverança. Não os assusta, aos golpistas, intercorrências durante o percurso. 1964 foi o adiamento produzido pelo suicídio de Getúlio, 10 anos antes. Ficaram no poder por duas décadas, em compensação. Recolheram-se apenas até 2005. E começou tudo de novo.

É o preço a se pagar pela conquista de corações e mentes.

A Direita também lê o Gramsci.

Durma com um barulho desses.

Thursday, August 22, 2024

22 de agosto de 2019

Ao contrário do que pode imaginar nossa vã filosofia de botequim, o país inteiro está gritando. Gritam nas favelas por socorro quando os helicópteros atiram bombas, como numa guerra. Grita a classe média progressista, escandalizada com a desfaçatez do grupo que ocupa a presidência. Gritam os estudantes. Os movimentos sociais. Os jornalistas que não se venderam às grandes corporações. Artistas gritam. Parlamentares do campo popular gritam. Gente de todos os matizes grita. E há ainda os gritos a favor da barbárie. Gritos como uivos, saindo principalmente das caixas de comentários nos veículos que a internet propicia (as panelas estão recolhidas). Há o grito amplificado das autoridades constituídas, esse pode ser um grunhido inarticulado, como os de Bolsonaro e seus ministros, transmitido pela TV. Um silêncio, porém, como se diz num dos clichês mais usados nas redes sociais, ensurdecedor, vem do alto da pirâmide, lá onde habita menos de 1% da população do país, lá dos píncaros da desigualdade brasileira, no Himalaia onde a empatia é um cadáver congelado há séculos, o lócus etéreo e quase abstrato dos super ricos. Dali não se escuta um pio. Candidamente, dia desses, um deles, banqueiro, deixou escapar que nunca se sentiu tão bem. E isso foi tudo. Por trás do caos propagado pelo desgoverno da República estão os super ricos. Eleições não são vencidas com votos. Ganha quem tiver mais dinheiro para gastar na campanha. Propaganda custa muito dinheiro. Alianças muito mais e nós, petistas, aprendemos pela dor essa realidade. Eleições tampouco se resumem à escolha do presidente. Uma trama enorme de gente dos legislativos em níveis federal, estadual e municipal, somados aos prefeitos, governadores e seus vices sem falar em todas as burocracias reproduzem holograficamente o macro no micro e vice-versa. Tudo determinado pelo mesmo princípio: ganha e permanece quem tem mais dinheiro e as exceções confirmam a regra. A isso se dá o nome de Democracia Burguesa. Enquanto o presente caos perdurar será porque os super ricos se mantiveram em silêncio. Eles permitiram a ascensão do golpismo. Do lavajatismo. Do bolsonarismo. Eles financiaram, na verdade, todo o processo. Sabem o que querem. E só eles detêm os meios para a pacificação. Lembre-se: no Brasil os atiradores são 'de elite'. Os alvos são 'da Silva'. Williams, Marielles, Lulas. As configurações de 'monopólio da força' foram atualizadas com sucesso. Da selva ouvem-se agora outros gritos, guinchos, gemidos. De mais indefesos alvos. Juntar-se-ão aos nossos. São quase nada. Os alvos e os gritos. Não podem querer ser nada. À parte isso, e sob a mira dos fuzis, temos todos os sonhos do mundo.

Sunday, August 18, 2024

18 de agosto de 2016

Na psicanálise há um termo, 'energia desligada', pra ser sincero, eu não sei do que se trata, mas atiça minha imaginação. Chuto que é algo do funcionamento do inconsciente, certa potencialidade que não encontra destino. Tipo uma eletricidade (no sentido figurado) psíquica formando uma corrente que não conecta com a tomada (no sentido figurado) correspondente para lhe dar finalidade. De toda maneira, por certo, trata-se de qualquer coisa que, mesmo 'desligada', ainda é energia, força, potência.

A rede, neste momento, está desligada.

Tudo por aqui parece muito com os mapas do funcionamento do cérebro que a gente vê em programa de televisão, aquelas luzinhas acendendo em resposta a algum estímulo. As áreas são diversas, mas todas intercomunicantes. A web e, principalmente, as redes sociais funcionam sempre por convergência. Em sentido figurado poderíamos falar em 'eco'. Alguém fala e a repetição do que se disse, em forma de compartilhamento, faz o dito se disseminar.

Mas a rede há dias não encontra seus ecos. A energia continua correndo permanentemente, mas está 'desligada'. Engano pensar que os memes da Olimpíada estão cumprindo a função de conectar os pontos no mapa. Tempos áridos esses que estamos vivendo.

Dispendo, há exatos três anos, mais tempo diário do que qualquer bom senso recomendaria observando a rede. É a primeira vez que vejo semelhante 'silêncio', tamanho alheamento.

Minha experiência acumulada não permite dizer se isso tem volta.

Pensando bem, é evidente que sim.

Mas que dá uma aflição, isso dá.

Sunday, August 04, 2024

CENTRO DE CONTROLE DE ZOONOSES INFORMA


O Darwin deu o toque, lembra? O ser humano é, entre outras coisas, bicho. E - isto é sabido desde a Antiguidade - é bicho de rebanho. O Nietzsche tratou do tema, também, né? Por exemplo: o eremita não vive só, vive apartado. A condição do eremita é definida pela distância em relação a um grupo. "No man is an island", essa quem falou foi o John Donne.

Fora do bando, assim como as abelhas, os gnus, ou os chimpanzés, o bicho homem apenas perece.

Sendo animal de rebanho, os seres humanos estamos familiarizados, entre outras coisas, aos modos do rebanho. Líder alfa, lei do mais forte, sobrevivência, seleção natural, agrupamento para ataque e fuga, infanticídio seletivo, demarcação de território, etc.

O nome do nosso rebanho é Sociedade. Aquele estado de vida em comum determinado pela mais pura necessidade de sobreviver enquanto espécie. Um estado pré-político.

Por isso, sempre que vejo alguém se arvorando em sabedor daquilo que "interessa verdadeiramente à sociedade brasileira", imagino logo um gorilão, uma zebra ou um suricato em seus rituais confirmatórios, do tipo "quem manda aqui sou eu". É muito claro que esse cara está apelando ao nosso mais primitivo, animalesco, instinto de horda. Ainda que faça uso sistemático de pesquisas que indicam 93% de preferência nisso, 82% contra aquilo. E fale em "maioria", ao invés de falar "rebanho". 

Essa entrega efusiva a um grupo já consolidado, a uma tradição social, à identificação com um líder ou um povo, a fé num Deus ou agremiação salvadora é a forma mais imediatamente acessível de suprimir a fragilíssima particularidade do sujeito individual. Em última instância, são fórmulas mais ou menos sofisticadas de perduração na espécie, que destrói os particulares, mas conserva e reproduz indefinidamente o genérico.

Há, sem dúvida, os que se afiliam automaticamente a essa via da imortalidade coletiva, mas não são todos. Historicamente, nem chegam a ser muitos. Os demais sujeitos ou não o fazem totalmente, ou não principalmente. Ou seja, colocam-se o problema de imprimir uma marca irrepetível e distinta à fórmula da sobrevivência, requerendo a cumplicidade e o apoio da coletividade, claro, mas negando-se à via despersonalizada dos que "renunciam à sua alma para salvá-la melhor”.

Todo esse último trecho é de autoria do filósofo e professor Fernando Savater. Savater escreve sobre Ética. Os bichos apresentam comportamentos. Nós tomamos atitudes. Os bichos não têm conduta, apenas códigos genéticos.

Só os humanos publicam tratados de Ética. O "animale rationale" é ao mesmo tempo "bios politikos". Só os seres humanos negociam sua vida coletiva. O retrocesso às leis imutáveis da maioria tem nome: barbárie.