Saturday, March 29, 2025
Wednesday, March 26, 2025
Monday, February 24, 2025
Cemitério alagoano (Trapiche da Barra)
Sobre uma duna da praia
o curral de um cemitério,
que o mar todo o dia, todos,
sopra com vento antisséptico.
Que o mar depois desinfeta
com água de mar, sanativa,
e depois, com areia seca,
ele enxuga e cauteriza.
O mar, que só preza a pedra,
que faz de coral suas árvores,
luta por curar os ossos
da doença de possuir carne,
e para curá-los da pouca
que de viver ainda lhes resta,
lavadeira de hospital,
o mar esfrega e reesfrega.
João Cabral de Mello Neto. A Educação Pela Pedra.
Tuesday, February 18, 2025
18 de fevereiro de 2016
Ao contrário do que está parecendo, Miriam Dutra Schmidt não veio a público falar de filhos bastardos, ou fazer futricas sobre o tempo em que foi amante de Fernando Henrique Cardoso.
Miriam deu uma longa entrevista em que o centro da questão é um caso seríssimo de assédio moral. Como de hábito, a mulher que denuncia é imediatamente desqualificada. O pessoal que trabalha nas Defensorias aponta essa tendência dominante: a culpa, sempre, "só pode ser dela". Quem se aproveitou antes, agora quer ganhar mais um pouco. Leviana, como diria o Aécio.
Pois bem, o Palmério Dória, em artigo publicado hoje, diz o seguinte sobre o estado de espírito de Miriam em 2000: 'Mirian, procurada pelo repórter João Rocha, em Barcelona, foi cortês. Pelo telefone conversaram longamente. Miriam demonstrou querer falar, mas não falou. Já era uma mulher amargurada, quando disse uma frase reveladora ao ser perguntada pela paternidade de Tomas: 'pergunte para a pessoa pública'.
Palmério fez parte da equipe que em abril de 2000 levantou o caso do filho extraconjugal de FHC para a Revista Caros Amigos. Diz o Palmério: "O então presidente da República foi procurado e não quis se pronunciar. Os editores dos principais jornais, revistas e telejornais deram suas versões, todas publicadas. Mário Sérgio Conti, chefão da Veja, atendeu meu telefonema com frieza que foi substituída por um ataque de ira e impropérios publicados na íntegra".
Em outro artigo, de 2011, Palmério manda essa: "a operação cala-a-boca-da-Miriam foi organizada por uma força-tarefa: Alberico de Souza Cruz; o então deputado federal José Serra; e Sérgio Motta, que tinha coordenado a campanha de Fernando Henrique para o Senado, seu amigo mais íntimo".
Motivos para tirar a limpo o que essa mulher está dizendo não faltam. Mas há uma forte corrente de opinião que aponta para o perigo de, com isso, praticar apenas fofoca. Miriam, suposta vítima de brutal assédio, fica relegada a segundo plano. Aliás, o lugar que ocupou nos últimos 24 anos.
Se Miriam foi conivente, foi conivente como um antílope é conivente com o leão que o caça. Sem dúvida, ambos fazem parte da mesma cadeia alimentar. Mas um é predado, enquanto o outro tem os atributos para ser o predador.
Reduzir esse grande conluio entre poderosos ao direito de se discutir ou não o uso que FHC dá para o próprio bilau, convenhamos, parece um respeito meio totêmico pelo bilau dele. Freud explica.
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Saturday, February 15, 2025
Líderes do conformismo nacional

Com o falecimento de Cacá Diegues, ontem, começou a circular esta imagem, acredito, do final da década de 1970.
A mim me chamam a atenção o lugar de destaque de Glauber Rocha e a íntima camaradagem entre os retratados.
Em tempos de rede social — quando o próprio tempo parece ter sido abolido — a foto leva a gente a enxergar um quarteto harmônico que a devida contextualização histórica desmente.
Lembrei do artigo de Francisco Alambert — 'A Realidade Tropical' — publicado em 2012 na Revista IEB n. 54, em que o professor transcreve trechos da entrevista concedida por Glauber a Elio Gaspari, Heloisa Buarque de Hollanda e Zuenir Ventura para o livro '70/80: Cultura em Trânsito'.
Os entrevistadores fizeram apenas uma pergunta ao cineasta:
— O que você tem a dizer sobre a questão das Patrulhas Ideológicas que vêm invadindo a imprensa e as paixões nesse último mês?
Estávamos em março de 1980 e, em resposta, Glauber disparou uma vez mais sua famosa metralhadora giratória.
Um outro tipo de retrato de época emerge da diatribe glauberiana, ele, antes e mais que qualquer um, persona polêmica de fio a pavio.
Vejamos.
💣
[o Cebrap] "é cofinanciado ou patrocinado pela Fundação Rockfeller ou pela Fundação Ford (…), tem inclusive ligação com o liberalismo americano (…). Os liberais democratas do Brasil são apenas capitalistas progressistas ligados a multinacionais, que lutam contra o arcaísmo da economia política brasileira, que é a dominante".
(...) "o grupo capitalista do cinema brasileiro hoje, que é formado por Luiz Carlos Barreto, Bruno Barreto, Arnaldo Jabor, Walter Clark e Carlos Diegues, é oriundo do Cinema Novo".
(...) "os intelectuais e artistas comunistas, ligados ao PC, foram para a Rede Globo".
(...) "acho que o debate aqui tinha de ser colocado em outro nível: o da busca da identidade nacional pela compreensão dos processos econômicos e culturais da colonização. (...) E esse salto é importante, tem que se superar essa feijoada ideológica, multi-ideológica, com uma visão clara do problema".
(...) "aqui você tem que adorar Deus, MDB, Flamengo, e ser fã de Maria Bethânia. A MPB, vanguarda crítica dos anos 1960, passou a liderar (ao lado do futebol e da política de centro) o conformismo nacional, uma vez liquidado seu aspecto revolucionário".
(...) "intelectual aqui é um palhaço da burguesia, são as mesmas figuras da revista Interview, das colunas sociais de O Globo (...). Show da Gal Costa, espetáculo de Ney Matogrosso, teatro de Dias Gomes é tudo uma porcaria só".
💣
As fontes:
https://revistas.usp.br/rieb/article/view/49116
https://www.estantevirtual.com.br/livro/7080-cultura-em-transito-da-repressao-a-abertura-1YK-1970-000
Wednesday, January 22, 2025
Tuesday, January 14, 2025
Salvar o Fogo
Se seu rosto foi se apagando como uma pintura malconservada ou como as abstrações que nos escapam dos sonhos, o mesmo não ocorreu com o restante de sua figura. As vestes escuras, pesadas e com cheiro de naftalina, que pareciam quentes, continuaram a surgir vivas em meus pensamentos, assim como as gotas de suor a sobressair num rosto para sempre enevoado. Seu andar lento e os movimentos sincronizados ao seu discurso também permaneceram plenos no que me restou de recordação. Da mesma forma, os sermões ora ponderados ora inflamados, os questionamentos ásperos que nos dirigia sem esperar por respostas, pareciam na mesma medida suaves e revoltos ao encontrarem nossos ouvidos. Foi dessa maneira que quis saber se gostava da ideia de estudar. Respondi que sim. Quis saber também se ajudava a Luzia em casa e, sobretudo, se temia a Deus. Luzia fez questão de recordar a dom Tomás do meu batizado por suas mãos para que não crescesse pagão. "São tantas crianças", disse, justificando a falta de memória. Sem demora, informou que minhas aulas começariam logo após o início da Quaresma. Luzia poderia retirar o uniforme uma semana antes do Carnaval. Guardei daquele encontro uma genuína felicidade. Poderia sair só de casa, teria um ambiente diferente para estar com outras crianças. Aprender a ler e a escrever era o passo firme a caminho do mundo adulto, ainda que muitos dos que vivessem ao meu redor não tivessem tido a mesma oportunidade. Quem deixava a Tapera a caminho da cidade dizia ser preciso saber ler para encontrar as ruas, usar o transporte, se virar de todo jeito. Sem contar as chances de conseguir um trabalho melhor, que não exigisse tanto esforço físico, como o de meu irmão Joaquim carregando fardos do cais para o saveiro, e do saveiro para a cidade, e com o que mais trabalhava quando já se encontrava distante da aldeia.
Salvar o Fogo © 2023 Itamar Vieira Júnior. Todavia, SP.
🎨: Aline Bispo
Sunday, January 12, 2025
12 de janeiro de 2023
Como estão sendo publicadas listas com nome e data de nascimento dos presos do Capim Tólio de Brasília, já tem gente tabulando as faixas etárias deles (e delas).
Se eu entendi o que li, quase 80% dos terroristas têm de 50 a 60 anos. Entre os 20% restantes, pode haver gente com 19, ou 77.
Portanto, a presença de "idosos" não é dominante.
É importante fazer essa informação circular para impedir que se atribua qualquer inimputabilidade à massa que atacou a Praça dos Três Poderes no domingo passado.
A característica mais geral daquela multidão é justamente a de ser composta por pessoas na fase da vida que se costuma chamar de "maturidade".
Em resumo, homens e mulheres donos de seus narizes e, por isso, aptos a responder pelas atitudes que tomaram.
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Thursday, January 09, 2025
9 de janeiro de 2018
O 'an-alfabeto' simplesmente não existe. Não há alguém que não acesse a língua escrita em alguma medida. Os especialistas preferem falar em 'níveis de alfabetismo', que podem ser, isto sim, muito baixos em relação às necessidades médias do cidadão moderno e urbano. Mas zero, nunca.
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Wednesday, January 08, 2025
O Avesso da Pele
Conforme fui crescendo, suas perguntas foram ficando mais complexas. E confesso que às vezes eu não queria ser profundo. Eu queria apenas brincar e ser como os outros filhos eram com seus pais. No entanto, agora eu sei que você estava me preparando. Você sempre dizia que os negros têm que lutar, pois o mundo branco havia nos tirado quase tudo e que pensar era o que nos restava.
"É necessário preservar o avesso", você me disse.
"Preservar aquilo que ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele atravessa nosso corpo e determina nosso modo de estar no mundo. E por mais que sua vida seja medida pela cor, por mais que suas atitudes e modos de viver estejam sob esse domínio, você, de alguma forma, tem de preservar algo que não se encaixa nisso, entende? Pois entre músculos, órgãos e veias existe um lugar só seu, isolado e único. E é nesse lugar que estão os afetos. E são esses afetos que nos mantêm vivos".
Lembro que você fazia um grande esforço para ser entendido por mim. Eu estava com nove anos e talvez não tenha compreendido bem o que você queria dizer, mas, a julgar pela água nos seus olhos, me pareceu importante.
O Avesso da Pele. © 2020 Jeferson Tenório. Companhia das Letras, 2020.
📷: trampolim - banhista. © 2019 Antônio Obá. Óleo sobre tela. Galeria Mendes Wood.
Thursday, December 19, 2024
19 de dezembro de 2018
Por que falar em 'estado de exceção', se esses são os mesmos juízes que entregaram Olga Benário aos nazistas em 1936? O que justifica dizer 'exceção' se esses são os mais de 150 mil presos que deixaram de ser beneficiados pela liminar de Marco Aurélio Mello (Lula, só mais um deles)? Nem mesmo a perseguição ao nosso querido presidente metalúrgico pode ser caracterizada como 'fora da curva'. Getúlio, Jango, Juscelino, Dilma... todos foram punidos antes por ferirem o arranjo sistêmico. É inacreditável, depois de ver a reação tão pronta e imediata das forças do Golpe ao longo da tarde desta quarta-feira, que ainda possa haver quem acredite que chegamos a esta situação pelos erros do campo democrático. Em poucas horas, as páginas de Direita estavam em pé de guerra, o MP se manifestou, a juíza de piso que cuida do processo de Lula desconsiderou o Ministro do Supremo, Deltan Dallangnol abandonou seu silêncio monástico, a grande mídia acionou todos os seus canais e até um Alto Comando do Exército se reuniu, formando, todos esses, em conjunto, uma espécie de domo que cercou o país. Dentro do vasto histórico de obediência cega, Getúlio, Jango, Juscelino, Dilma, formam a verdadeira exceção à regra. Exceção no seu sentido mais comezinho: aquilo que não está incluído. O exército, a mídia, o Judiciário, o Legislativo, as polícias, o grande capital, parte significativa da classe média, parte significativa das Igrejas, e outros, formam o conjunto que, coeso, proíbe as excepcionalidades. Lula é uma das maiores excepcionalidades da história do Brasil. Está (e permanecerá preso) para que a regra não seja rompida. Não estamos vivendo estado de exceção nenhum. Tudo continua dentro da mais perfeita ordem. Como sempre.
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Sunday, November 24, 2024
Poema da Gare de Astapovo
Mário Quintana
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua…
Sentou-se… e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Glória,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê-lo tão sozinho àquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali à sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta…)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu…
Ele fugiu de casa…
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade…
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!
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Gare de Astapovo, atual estação Leon Tolstoi, em 2010 |
Tuesday, November 19, 2024
Sunday, November 17, 2024
Síndrome de Coringa
Síndrome de Coringa leva homens de vida pacata ao terrorismo de direita
Jessé Souza*
Colaboração para o UOL 16/11/2024
No meu livro, recém-lançado, sobre 'o pobre de direita', fiz uma introdução usando a mesma expressão que está no título deste artigo. A arte muitas vezes ajuda a ciência e prefigura as características essenciais de uma época histórica. Para mim, o Coringa representado pelo grande Joaquin Phoenix, no filme de 2019, não seria, portanto, um ponto fora da curva. Ao contrário, seria a representação perfeita do trabalhador precarizado, empobrecido e humilhado de nossos tempos.
Quando o terrorista bolsonarista em Brasília explodiu uma bomba em si mesmo, embora o alvo fosse o Supremo e Alexandre de Moraes, vestido de coringa, muitos mencionaram uma capacidade mágica e preditiva do texto do livro. Infelizmente não tenho bola de cristal, mas o estudo cuidadoso e o trabalho empírico de adentrar ao mundo do trabalhador humilhado de nossos tempos me fez, quero crer, compreender as estruturas profundas do que está em jogo aqui.
A característica mais essencial para a existência dos coringas contemporâneos é a sua desorientação. No caso brasileiro, é um trabalhador que a partir do golpe de 2016 empobrece visivelmente. O aumento real dos salários em até 70% na era Lula, que garantia uma dieta mais saudável, a possibilidade de mandar o filho a uma escola particular e a construção racional de um futuro possível, voltou a ser apropriado pelo rentismo improdutivo da Faria Lima — aliás, este foi um dos motivos principais do golpe —, empobrecendo a massa de trabalhadores que se torna cada mais precária e explorada. No entanto, ninguém jamais explicou para ele que seu maior inimigo é a sanha do saque financeiro de toda a população por uma meia dúzia de especuladores.
Como essa raiva não pode ser canalizada contra a elite que o saqueia, ele tem então duas alternativas. A primeira é canalizar a raiva contra si mesmo, afinal ele, como todo pobre, acredita na meritocracia, e passa a se ver como fracassado — o que o levará a depressão ou ao alcoolismo, as duas doenças endêmicas do trabalhador de hoje. A segunda, que é para onde tanto a extrema direita quanto a pregação evangélica convergem, é canalizar a raiva contra grupos já previamente estigmatizados e ainda mais frágeis do que ele.
Muitos passam a achar que é o nordestino preguiçoso do Bolsa Família quem roubou seus parcos recursos. Ou ainda o negro construído como bandido. Ou ainda o falso moralismo da corrupção seletiva propagado por todas as mídias que identifica a 'roubalheira do PT' como a causa. Não por acaso, o racismo esta por trás de todas essas opções por meio de máscaras convenientes: o nordestino, cujo povo é 80% mestiço ou preto, o bandido construído como o negro e o suposto povo corrupto eleitor de corruptos, de modo a desmoralizar o voto e a participação popular da maioria mestiça, negra e pobre.
A pregação evangélica e a extrema direita se tornam a boia de salvação moral do 'pobre remediado', àquele que ganha entre dois e cinco salários mínimos e que foi o segmento social suporte do bolsonarismo em todas as eleições. É o terreno social do branco pobre do Sul e de São Paulo e do negro evangélico do resto do país. A pregação evangélica serve para defini-lo como o 'homem de bem' contra o pobre transformado em delinquente. Daí apoio à violência policial contra pretos e pobres. Ao criar a distinção entre o pobre honesto e pobre delinquente — que pode ser o bandido, o gay, e até a mulher —, a pregação evangélica possibilita que ele canalize seu ódio não mais contra si mesmo, mas, agora, contra o segmento mais pobre dos que ganham até dois salários mínimos, além das vítimas do machismo e da homofobia.
Ao garantir autoestima para o trabalhador humilhado, ainda que às custas do maior sofrimento dos grupos estigmatizados, tanto a pregação evangélica quanto a extrema direita passam a controlar a alma desse público. Autoestima e algum respeito e reconhecimento social são, afinal, as necessidades mais prementes de todos os seres humanos.
A extrema direita, no entanto, vai ainda mais além e cria toda a espécie de espantalho para representar o 'sistema', desde que nunca se nomeiem os reais algozes. Esses espantalhos são intercambiáveis. Alexandre de Moraes e o Supremo Tribunal Federal são, no entanto, percebidos como os símbolos da elite de poder que causa a opressão. Do mesmo modo que a pregação evangélica, a extrema direita fornece, desse modo, um propósito na vida e a ilusão de se estar participando da vida política para alguém que sempre se sentiu alijado e sem importância. E isso não é pouco para quem é humilhado.
O nosso Coringa de vida medíocre acreditava ser a vanguarda da luta política. Para quem sempre teve uma vida obscura, transformar a morte em um ato heroico é de uma sedução irresistível. Redime uma vida toda passada nas sombras e na desimportância.
* Jessé Souza é sociólogo, professor da Universidade Federal do ABC e autor dos livros A Elite do Atraso: da Escravidão a Bolsonaro (2019) e O Pobre de Direita: a Vingança dos Bastardos (2024), entre outros.
Friday, November 08, 2024
Quem são os evangélicos brancos, os 'lindos cristãos' que impulsionaram vitória de Donald Trump?
por: Anna Virginia Balloussier
"Como Jesus votaria?" A duas semanas da eleição que decidiria o 47º presidente dos Estados Unidos, o pastor Charles Stock levantou essa questão na Life Center, igreja que fundou na Pensilvânia. Melhor seria, segundo ele, optar por "um líder imperfeito que faz coisas boas" do que "sofrer sob o comando dos perversos Acabe e Jezabel".
O casal aparece na Bíblia como modelo anticristão, farto em idolatria, fraqueza e crueldade. Jezabel, a pior dos dois, morreria tal qual preconizado pelo profeta Elias, com seu cadáver devorado por cachorros.
Não é difícil inferir de quem Stock estava falando. O líder com defeitos seria o republicano Donald Trump, com acusações judiciais que incluem pagar para silenciar uma estrela pornô com quem teve um caso extraconjugal. Já a democrata Kamala Harris encarnaria a Jezabel do século 21, alguém que poria em risco valores caros ao conservador americano, como aborto e casamento homoafetivo.
Kamala perdeu, Trump ganhou, e o resto é história para um bloco eleitoral que se alinha ao empresário por três pleitos consecutivos. São os chamados evangélicos brancos. Stock e sua Life Center fazem parte desse grupo, que mostra um engajamento eleitoral maior do que a média. Isso é ouro num país onde o voto não é obrigatório, e vencer uma eleição passa também por convencer alguém a sair de casa para votar.
Segundo o Public Religion Research Institute, esse quinhão evangélico não chega a 15% da população, mas pode representar um em cada quatro eleitores. Cerca de 80% dessa turma votam em Trump.
Raimundo César Barreto Jr., professor de cristianismo global no Seminário Teológico de Princeton, lembra que a divisão evangélica nos EUA não espelha a brasileira. Na América Latina, o termo evangélico é tomado como sinônimo de protestante. Na terra de Trump, o evangelicalismo é entendido como um ramo do movimento religioso iniciado em 1517 com a Reforma Protestante.
As igrejas brancas operam numa frequência própria dentro do grupo, predispostas "às questões raciais [pró-branco] e patriarcais, a ideia de uma família tradicional com o homem sendo chefe da família, com uma posição subalterna da mulher", afirma Barreto Júnior.
O apoio a Trump em outros galhos protestantes, como denominações de maioria negra ou latina, é bem mais bambo, embora haja terreno para ser conquistado ali. "Entram questões que ultrapassam o debate racial. Ele é o strongman, o líder forte, macho, que tenta projetar o domínio dessa masculinidade que tem apelo para homens negros, hispânicos e brancos nos EUA."
O republicano não desperdiçou oportunidades para tonificar laços afetivos com a direita cristã. Em julho, convocou seus "lindos cristãos" a saírem para votar "só desta vez".
"Quer saber? Mais quatro anos e tudo será resolvido, tudo ficará bem. Vocês não terão mais que votar, meus lindos cristãos", disse, sem explicar o que quis dizer com não haver mais necessidade de ir às urnas no futuro. A fala foi mal digerida por quem o vê como uma ameaça à democracia, sobretudo após seus entusiastas liderarem o atentado golpista do 6 de janeiro de 2021.
Em The Kingdom, the Power and the Glory (o reino, o poder e a glória), Tim Alberta, um jornalista que cresceu em lar evangélico, analisa a aliança entre esses religiosos e o trumpismo. Cita o incômodo de pastores com o "conservadorismo sem dentes", sem coragem de partir para cima, e o pendor para abraçar fake news como um culto satânico democrata que canibaliza crianças.
Alberta também fala num medo difuso que contamina muitos desses evangélicos, como se sua identidade religiosa estivesse a perigo num país cada vez mais plural e secularizado.
Em 2017, primeiro ano de Trump na Presidência, americanos responderam ao Public Religion Research Institute sobre qual religião enfrentava mais discriminação. "O público em geral era duas vezes mais propenso a mencionar muçulmanos", diz o autor. "Apenas um grupo discordou dessa visão: os evangélicos brancos." Cristãos, para esses dissidentes, eram o alvo mais visado.
Um pastor ex-trumpista lhe soprou então a reflexão: "Quando uma pessoa se convence de que está sitiada, que os inimigos estão vindo atrás dela e querem destruir seu modo de vida, o que a impedirá de se radicalizar?".
O presidente eleito alimenta essa atmosfera de pânico. Em 2023, chegou a propor uma força-tarefa para combater a "perseguição contra cristãos na América".
Trump, um presbiteriano que nunca deu sinais de praticar intensamente sua fé, ganhou pontos ao indicar juízes benquistos pela direita religiosa na Suprema Corte americana. Só assim para Roevs. Wade, decisão de 1973 que garantia o direito constitucional ao aborto, cair dois anos atrás. Espera-se que mais coelhos saiam dessa cartola conservadora.
Também soube explorar o atentado que por pouco não lhe custou a vida, em julho. Passou a dizer que Deus o poupou por um motivo. A narrativa do escolhido deu certo.
Democratas saem em desvantagem nesse eleitorado porque, em geral, "sentem-se desconfortáveis ao falar sobre questões de fé", afirma o historiador da religião Randall Balmer, da Dartmouth College. "Kamala discorreu sobre sua educação multirreligiosa, e Tim Walz [seu vice], sobre a filiação luterana, mas não fez muita diferença. O abismo religioso entre os dois partidos é real."
Balmer diz se perguntar como pode "uma direita cristã que se vangloria de defender valores familiares" endossar "um predador sexual confesso, casado três vezes, alguém que não consegue nem fingir alfabetização religiosa".
"A melhor explicação que posso oferecer é que os evangélicos brancos veem essa relação como transacional: apoiarão Trump, que por sua vez lhes dará o que querem em termos de nomeações de novos juízes." As batalhas no Judiciário, afinal, são cruciais para fazer valer a agenda conservadora.
Já há inclusive quem proponha uma adaptação do Maga (sigla em inglês para "faça a América grandiosa novamente"). O slogan trumpista por excelência viraria Maca: Make America Christian Again. Faça a América ser cristã de novo.
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Resenha da Semana
8 de novembro de 2018
A tendência da semana é afirmar que o deputado Jair cria cortinas de fumaça para desviar a atenção das verdadeiras negociações que estão sendo realizadas nas alcovas do poder. Faz sentido, precisamos estar atentos, mas, ao mesmo tempo, é forte a impressão de que o país está diante de personagens chapados, unidimensionais, que não têm nada a esconder porque não têm sequer milímetros de profundidade. O saque, ou para usar outra expressão que percorreu as redes essa semana, o 'governo de ocupação', desprovido de qualquer plano ainda que a curto prazo, está escancarado. Tudo vai sendo feito de modo explícito. Como num filme estrelado por Alexandre Frota.
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Monday, October 28, 2024
27 de outubro de 2024
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7 de outubro de 2024
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7 de outubro de 2024
EM 1959 SÃO PAULO ELEGEU CACARECO VEREADOR
Cacareco foi uma rinoceronte fêmea emprestada ao Zoológico de São Paulo.
Nas eleições municipais de outubro de 1959 Cacareco recebeu cerca de 100 MIL VOTOS para vereador. *
A população de São Paulo em 1960 chegaria a 3.781.446 de habitantes.
Faça as contas e veja quanto, em porcentagem, aqueles 100 mil votos representavam.
Não esqueça que em 1959 os analfabetos não votavam. 40% da população. Faça de novo as contas.
São Paulo foi fundamental para eleger Jânio, Maluf, Quércia, Collor, Bolsonaro e tudo o que há de pior no fisiologismo pátrio.
São Paulo tem a cruz dos navegantes portugueses "simbolizando a fé cristã" no brasão.
São Paulo homenageia os bandeirantes com nome de avenida, de estrada, de colégio... com a porra da estátua do Borba Gato!
São Paulo perpetrou o Carandiru: o presídio e o massacre.
A lista é interminável. São Paulo elegeu Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro, Mamãe Falei, Ricardo Salles, Rosângela Moro...
Aquelas passeatas gigantes de verde-amarelos? Todas na Paulista.
A abstenção elegeu o Dória, em primeiro turno, em 2016. O problema NÃO É de hoje.
Tem nada a ver com voto de protesto. O que São Paulo tem é um estoque, um exército de reserva de gente escrota pronta pra ver o circo pegar fogo e contribuir com um troco pra comprar mais gasolina.
Só quem nunca morou aqui pode fazer de conta que não sabia.
Por isso, amiguinh@, o segundo turno começou ontem à noite e já passa da hora de parar de posar de estupefato com os números do Pablo Marçal. Nem adianta xingar o 'povo' (Boulos, inclusive, venceu nas periferias extremas da cidade).
Isso aqui é São Paulo, cazzo!
E pra quem cê acha que vão migrar os 30% do coach?
E quem vai receber o apoio do Bolsonaro? Quem vai ter a seu favor a máquina municipal E estadual (leia-se Tarcísio de Freitas)?
Porém, somados, Marçal e Nunes permanecem mais ou menos a metade dos votos. A outra metade está em disputa. É matemático.
Só não dá pra deixar pra se manifestar nos stories do Instagram faltando três dias pra eleição, amiguinh@.
O pau tá comendo e é hoje, já, urgente.
Tem que fazer campanha!
Foi assim que o Lula sobreviveu ao mais longo processo de desconstrução de uma personagem pública que o nosso país já assistiu: fazendo campanha em tempo integral.
A partir de 2016, lembra? o Lula entrou no modo campanha. E continua agora, depois de eleito. Isso quer dizer: você não baixa a guarda, você disputa palmo a palmo os corações e mentes como se fosse campanha, mesmo quando não é campanha.
Mas disputa muito mais quando É campanha.
Antes que seja tarde!
A vantagem da Direita em São Paulo é ESTRTUTURALMENTE maior, como eu tentei demonstrar.
Não adianta subir post falando que tá com medo, que não se conforma com o eleitorado paulistano, que tá decepcionado... nada disso contribui. E muito ajuda quem não atrapalha.
São Paulo e o Guilherme Boulos precisam de militância nas ruas, nas redes, no trampo, nas famílias, nos botecos, onde for.
A tarefa é di-fi-cí-li-ma. Tem que tirar a bunda da cadeira AGORA.
E o travesseiro é o lugar prioritário pra chorar. Aqui na jungle é só tiro, porrada e bomba. Nos fascistas.
Bóra pra cima que já começou. Ontem. Estamos atrasados.
📷: Wikipédia / A caveira do Cacareco / Cacareco em 1959 / Zoológico de SP
* À época, a eleição era realizada com cédulas de papel e os cidadãos escreviam o nome de seu candidato de preferência.
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