Friday, April 05, 2024

5 de abril de 2015

VÁ AO CINEMA, mas não me chame

Seu Jorge, o ator e cantor que serve a melhor coxinha de ossobuco de São Paulo está de contrato assinado para um novo filme. De faroeste! Em entrevista descreveu como vai ser.

[...] "O Matador" é um western que vai rolar em 1900 e alguma coisinha no interior de Pernambuco. História interessante. Vou contar rapidinho. Você abre a cena e tem um bebê recém-nascido no meio do mato, numa chuva torrencial. Um dilúvio caindo e o bebê ali chorando. Nisso vem se aproximando uma onça. Pô, vai comer aquela criança. No que o bicho vai dar o bote de repente vem um tiro. BAU. E a onça cai. Desce um malandro lá de cima da árvore. Vê o bebê, vê a onça. Pega a onça, abre a onça, tira o coração vivo da onça, come o coração vivo da onça. Leva a onça pra casa e larga o bebê lá. Aí começa a chover pra caralho e ele resolve pegar o bebê. Tira o pelo da onça e empacota o bebê nessa onça e joga o bebê ali no cantinho. Matador. Você vai ver o filme.

Se o "você" no caso sou eu, pode tirar o cavalo, a onça e o bebê da chuva. Nem morto, Matador!

Tuesday, March 05, 2024

5 de março de 2021

O ETERNO RETORNO

Aconteceu no início e voltou a acontecer agora. Pessoas de mais alto poder aquisitivo, moradoras dos bairros centrais, trouxeram o vírus para as grandes cidades na virada de 2019 para 2020. Ocuparam os leitos hospitalares, motivaram a criação de normas de distanciamento social e se fecharam em casa.

Para atendê-las em home office, outras pessoas, de mais baixo poder aquisitivo, moradoras dos bairros periféricos, continuaram em suas rotinas de transporte público lotado e expedientes de oito horas de segunda a sexta.

Em questão de meses a matemática de transmissão da doença devastou as quebradas e seguiu para todos os interiores do país. Enquanto isso, o Centro havia criado condições para uma vida bem próxima do normal.

Estabeleceu-se, assim, um equilíbrio de filme catástrofe. Curva de mortes achatada no alto e queda muito lenta, mas constante. Atmosfera de suspensão. Esse quadro perdurou por meses e permitiu q governadores e prefeitos iniciassem protocolos de retomada da atividade econômica. Ficou muito parecido com o Brasil q a gente sempre conheceu: o perigo é iminente, mas mantido a uma distância segura dos ricos.

Foi aí q aquelas mesmas pessoas de mais alto poder aquisitivo, moradoras dos bairros centrais, decidiram celebrar a vida nas festas de fim de ano. Pouco depois viria o Carnaval. O Carnaval, inclusive, deixou claro a força da autoridade constituída durante a pandemia. Blocos, sambódromos, Circuito da Barra, Galo da Madrugada, simplesmente não existiram. Milhões de foliões foram impedidos de aglomerar. Por determinação do poder público. 'Simples assim'.

As festas, porém, pipocaram por toda parte, de dezembro a fevereiro. Veja a mórbida lógica do apartheid à brasileira: pancadão e botequim nos Grajaús da vida já haviam sido assimilados pela contabilidade do 'novo normal'. Aconteceram ao longo de inúmeros finais de semana para divertir as mesmas pessoas q encaravam o trem lotado durante os dias úteis. A vida social das periferias não interferia na estatística de 1000 mortes diárias do segundo semestre de 2020. A 'média móvel' manteve-se estável, lembrava-nos o famoso Consórcio de veículos de imprensa.

Festas clandestinas custam caro. Acontecem em barcos, sítios, praias e casarões afastados. Programa de condomínio. Não é à toa q os hospitais q estão colapsando primeiro sejam os da rede privada. Os caríssimos, como Einstein e Sírio, e os q atendem planos de Saúde de custo médio.

Não é difícil prever os desdobramentos dessa volta da espiral. A nova alta da curva encontra o país já inteiramente contaminado. O movimento centro-periferia está acontecendo muito mais rápido. A variante de Manaus se espalhou por toda parte, um oferecimento do general Pazuello q, depois de deixar a situação atingir níveis críticos no Amazonas, determinou a transferência de pacientes graves para outros estados sem nenhuma precaução.

Se demorar demais, as vacinas deixam de garantir imunidade coletiva e passam a contribuir para o aparecimento de cepas ainda mais violentas, resultado do convívio entre vacinados e não vacinados.

O país criou um consenso: não é possível fazer lockdown.

Traduzindo: uma parte da população necessariamente vai permanecer nas ruas para q a outra trabalhe remoto.

O Nicolelis prevê q atingiremos a marca de 3000 mortes por dia nas próximas semanas. Esse número vai aparecer nas bordas do mapa das cidades. O movimento se repete. As classes médias e altas vão concentrar seus esforços em adquirir novas e melhores máscaras. Preste atenção no moço da entrega do Magazine Luíza. Pode ser a primeira e última vez q a gente vai vê-lo vivo.

*

Na imagem, o ‘Homem da Meia Noite’, símbolo do carnaval pernambucano, passeia sozinho pelas ladeiras de Olinda, 2021. © Ivanildo Machado. 

Friday, March 01, 2024

Em 'defesa' dos neopentecostais: ou apenas para superar os chavões

Ronilso Pacheco / Colunista do UOL

01/03/2024

Camila Svenson / UOL

Todos nós, brasileiros, desde o último domingo, 25 de fevereiro, fomos alcançados por algo sobre o ato convocado pelo pastor Silas Malafaia e o ex-presidente Jair Bolsonaro.

O ato tinha a intenção de demonstrar o apoio de bolsonaristas ao ex-presidente, embora fosse convocado como um ato de defesa do Estado Democrático de Direito. Nas redes sociais, assim como nas análises da cobertura jornalística na grande imprensa, a religião parece ter dado o tom definitivo ao ato.

Fomos bombardeados por imagens de evangélicos marchando enquanto cantavam hinos da Harpa Cristã e saudavam a pátria. Pessoas com olhos fechados concentradas em orações pelo país e abençoando Bolsonaro.

Vimos o discurso de Michelle Bolsonaro, com palavras "proféticas". E, claro, vimos as idosas que ostentavam orgulhosamente a bandeira de Israel. Elas foram o símbolo máximo da ostensiva presença dessa bandeira. Isso porque, segundo as idosas, "Israel é uma nação cristã".

O que foi visto em seguida, já no próprio domingo à noite, foi uma enxurrada de análises que, embora diferisse em termos de ênfase, se assemelhava na identificação de um "culpado": as igrejas neopentecostais. Foram delas, diziam as análises, a participação determinante no ato de Bolsonaro. Afinal, diziam, foi Silas Malafaia quem convocou.

O ato bolsonarista do último domingo mostrou que parecemos estar todos, senso comum e "especialistas", capturados pelos nossos vícios elitistas e racistas. Esses vícios significam a interdição da possibilidade de compreendermos a complexidade do buraco para onde realmente estamos indo (ou já estaríamos). E, mais do que isso, os atores reais que estão por detrás de nossa crise.

Neopentecostal tornou-se "a resposta", o coringa para situações como a do último domingo. Grande parte dos jornalistas, analistas e "especialistas" estava convicta de que o ato bolsonarista, com cenas profundamente religiosas, foi assim devido à adesão e ao protagonismo dos "evangélicos neopentecostais".

Era isso, até que a pesquisa do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da USP, coordenada pelo professor Pablo Ortellado, revelou um desconfortável resultado: a religião de 43% dos manifestantes entrevistados no ato é católica, e 29%, evangélica.

No trio elétrico Demolidor, ao lado de Bolsonaro e Malafaia, estiveram o senador Magno Malta, o deputado Nikolas Ferreira, o deputado Sóstenes Cavalcante, além, claro, da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Estamos falando de três evangélicos batistas, portanto, não (neo)pentecostais, e dois assembleianos, pentecostais. Em outras palavras: não havia liderança "neopentecostal" no trio.

A pesquisa do grupo da USP também trazia um recorte de raça (65% do público se declara branco; 26% pardo; 5% preto) e escolaridade (6% respondeu ter ensino fundamental; 26% ensino médio; 67% ensino superior).

Não são raras, nem inacessíveis, as pesquisas que demonstram como os chamados neopentecostais estão na base da pirâmide social em todos os aspectos. Eles são majoritariamente negros e moram em periferias. Nenhum trecho de vídeo, seja nas redes sociais, seja nas matérias de TV, mostrou público com este perfil majoritariamente. A pesquisa confirmou o que, a olhos nus, já era óbvio.

Os neopentecostais são o grupo cristão com os membros mais pobres. Diferentemente das lideranças das megaigrejas milionárias, muitos pastores e pastoras pentecostais fazem "dupla jornada" com seus trabalhos, que vão desde um funcionário público médio à labuta do pedreiro, do gari e da doméstica. Muitos, portanto, vivem ou de "biscates" ou na dependência da ajuda de sua própria congregação. Estava nítido que esta gente não estava lá. Então, quem estava no ato?

Estava lá uma maioria branca (neopentecostais são majoritariamente pretos e pardos), homens mais velhos/idosos (neopentecostais são majoritariamente mulheres negras de periferia) e com algum nível superior (neopentecostais são majoritariamente pessoas de escolaridade de nível fundamental, médio e técnico).

Este artigo é uma tentativa de explicar que as análises malfeitas, orientadas por um preconceito e um racismo implícito, por parte daqueles que se colocam a pensar a realidade brasileira neste momento, podem nos tornar mais frágeis às estratégias da extrema direita, do fundamentalismo religioso e de espertalhões como Silas Malafaia e Edir Macedo. É hora de "evangélicos neopentecostais" deixar de ser a resposta fácil para descrever a força e a sobrevivência do bolsonarismo.

O governo Bolsonaro, apesar de sua ampla adesão do segmento evangélico, não governou com neopentecostais. Ele governou com evangélicos ditos "tradicionais" e um contingente do grupo chamado no meio evangélico de "reformados", ou calvinistas, por serem adeptos da teologia de João Calvino, inspirador do presbiterianismo.

O Ministério da Educação não foi ocupado por um neopentecostal, mas por um presbiteriano. O Ministério da Justiça foi ocupado por um presbiteriano, não um neopentecostal. O ministro-chefe da Casa Civil de Bolsonaro foi um luterano, não um neopentecostal. Damares Alves, uma batista pentecostal, recheou o seu Ministério dos Direitos Humanos com batistas calvinistas, e não neopentecostais. Ernesto Araújo foi um ministro de Relações Exteriores profundamente católico fundamentalista, e não um neopentecostal.

Por outro lado, vale dizer que, se Lula teve grande parte dos seus votos oriundos da classe mais pobre da população, ele teve necessariamente os votos dos evangélicos pentecostais que estão na base da sociedade, nas periferias, e associam Lula com os benefícios sociais que os contemplaram. Vale dizer que movimentos sociais como o MST e o MTST possuem hoje, nos seus assentamentos, um núcleo evangélico pentecostal que se torna cada vez mais influente na luta.

Usar "neopentecostais" como coringa para responder a tudo o que não é explicável sobre a força do bolsonarismo é uma postura medíocre e preconceituosa. Principalmente porque "neopentecostal" não é identidade religiosa. É uma categoria de análise que nasce nas ciências sociais.

Se você perguntar a qualquer evangélico qual a sua denominação, ele te dirá, orgulhoso, que ele é batista, presbiteriano, calvinista, luterano, metodista ou pentecostal. Nenhum, absolutamente nenhum, te dirá "neopentecostal".

No 25 de fevereiro, num ato de afronta explícita à democracia e à laicidade do Estado, nós testemunhamos o que há de mais atual no mundo quanto à ameaça à democracia: o nacionalismo cristão (assustador), a ideia do Israel imaginário (poderosíssimo e não restrito aos religiosos) e o fundamentalismo religioso (vivo, e não restrito aos evangélicos) e uma classe média conservadora ressentida, junto a uma classe trabalhadora desesperançada.

No caso do Brasil, acrescente a insistência do antipetismo, que continua forte e com muitas faces na mídia e na elite econômica do país.

O fato é que o bolsonarismo está vivo, ele tem seus adeptos e ignorar isso apenas prejudica uma leitura coerente e assertiva. Honestamente, os chamados neopentecostais são uma parte ínfima disso.

Se você se horrorizou com as "tias" evangélicas com a bandeira de Israel, eu te diria que elas são inofensivas diante do projeto de poder político e cultural inspirado no "Israel imaginário" que vem de igrejas tradicionais que nem sequer expõem uma bandeira israelense em seus templos.

O apoio evangélico a Bolsonaro continua grande. É verdade. E é por isso que devemos olhar para isso com o enquadramento correto. Isso inclui olhar para o fato de que (se assumindo ou não como tal) muitas igrejas e lideranças com o perfil chamado neopentecostal estão nos territórios periféricos destilando intolerância e violências contra terreiros e fiéis de matriz africana.

Muitas destas igrejas estão nos presídios, dominando a assistência no sistema prisional e impedindo a ação de outras religiões ou mesmo outras igrejas. Este é um problema real, assim como a Igreja Universal vem aparelhando policiais militares nos seus cultos. É para isso que devemos olhar. E não para um espantalho que explica, sozinho, a força do bolsonarismo.

É fazer isso certo ou continuar cultivando likes do senso comum, mantendo ideais de preconceitos, enquanto a extrema direita vai ganhando terreno ao "acolhê-los" como vítimas de uma hostilidade por parte dos "sabichões" e "iluminados" que não respeitam sua fé.

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Thursday, February 22, 2024

22 de fevereiro de 2020

O Golpe de 64 foi civil militar. Isso significa que as FFAA cumpriram seu papel, mas não estavam sozinhas. Trabalharam em parceria com as oligarquias.

O Golpe do Impeachment, nesse aspecto, foi idêntico, com alguma inversão de papéis entre militares e civis.

A ascensão de Bolsonaro ao Planalto, por fim, apenas repetiu o 'grande acordo nacional' forjado em 2016.

O Golpe de 64 foi civil militar. Isso significa que as FFAA cumpriram seu papel, mas não estavam sozinhas. Trabalharam em parceria com as oligarquias.

Se Bolsonaro tem intenção de fechar o regime por meio da força bruta de Exército, polícias e milicianos, das duas, uma: ou conta com o apoio das oligarquias, ou fracassará.

Caso venha a fracassar, não será sem derramamento de sangue. Mas estará restrito a uma aventura, coroamento da absoluta falta de perspectivas de um líder tão fisiológico que parece nem ter cérebro.

Se, no entanto, um endurecimento do regime fizer parte dos planos das elites brasileiras, empoderando polícias e milícias, o horizonte deixa de ter qualquer visibilidade.

Não há nenhum encadeamento lógico que leve à necessidade de instalar uma Ditadura no Brasil. O povo é dócil, as oposições estão enfraquecidas, as grandes lideranças sob impedimento, as classes médias cada vez mais ilhadas em suas fantasias de participação no jogo político. Tudo indica vitória do campo conservador este ano e em 2022.

Mas a lógica deixou de ser algo com que se possa contar nesse país. Um Narco-Estado miliciano, anômico, desigual e miserável é o cenário de distopias já vividas em países vizinhos de nuestra América. Boa parte desse cenário já é o que às periferias são submetidas há décadas. Mas não está na Constituição!

Institucionalizar a barbárie tem ares de pesadelo.

Sorte nossa parecer improvável.

Pena não ser, de jeito nenhum, impossível.

*

Na imagem: This Oct. 17, 2019 photo shows clouds of smoke from burning cars mar the skyline of Culiacan, Mexico. The Mexican city lived under drug cartel terror for 12 hours as gang members forced the government to free a drug lord. (AP Photo/Hector Parra)

Friday, February 16, 2024

16 de fevereiro de 2019

ABSOLUTO ESTRANHO

Com certo esforço, a revolta pelo asfixiamento do rapaz durante o horário comercial de um supermercado vai ganhando força na bolha branca de classe média letrada do Facebook. Há o caso de uma menina de 11 anos morta com um tiro no peito que passa quase despercebido. E fica cada vez mais apagada da memória 'em rede' a chacina do Fallet.

Os 9 jovens encurralados na casa da ladeira Eliseu Visconti em Santa Tereza tiveram seus corpos, nessa ordem, atingidos nas pernas, dilacerados com facas e coronhadas, antes de receberem 'rajadas de misericórdia' e serem transportados na caçamba de uma picape até o hospital mais próximo, onde oficialmente foram dados como mortos.

60 mil pessoas são assassinadas anualmente no Brasil. 93% das vítimas são homens; 76% são negros, jovens, moradores das periferias urbanas e trabalham nos postos mais baixos dos mercados criminais.

Como os 15 do Fallet Fogueteiro e do Morro dos Prazeres.

É esse, e não outro, o genocídio da juventude periférica a que se refere o Movimento Negro. Essas são as vidas ceifadas que as estatísticas escondem e o 'silêncio sorridente' de que falavam Gil e Caetano faz desvanecer, mas parte - pequena - da sociedade insiste em prantear.

A grande maioria deles não morre pelas mãos do Bope, da ROTA, ROTAM, etc. embora tenhamos as mais altas taxas de letalidade policial do planeta. Matam-se por conta própria, numa estranha guerra entre 'fraternidades' do crime.

A intuição genocida da Direita não deixa por menos: são bandidos. E bandido bom é bandido morto. Que se matem!

Mas como classificar como 'bandidos', ou 'traficantes', um cara de 15, um de 17 e outro de 18 anos, os três primeiros corpos identificados na chacina do Fallet?

Como negar a eles seus nomes, Vitor, Roger e Enzo?

Como explicar às mães dos três que eles não pertencem, segundo as regras sociais brasileiras, à categoria 'passível de luto'?

Como impedi-las de sofrer?

Enquanto o Brasil se negar a dar atenção às causas profundas que levam milhões de jovens ao crime, à morte e ao encarceramento, estaremos dando um salvo-conduto velado ao 'guarda de esquina', aos vigias sem controle do supermercado, aos milicianos, aos justiceiros e, por extensão, a toda sorte de violência doméstica, de crime de ódio, no limite, a toda e qualquer perversidade dos 'homens de bem'.

Uma sociedade que vê morrer mais de 50 mil jovens por ano e 'deixa por isso mesmo', está comunicando que a 'vulnerabilidade' inerente à vida, aquilo que faz com que qualquer animal de rebanho, como nós, se mantenha unido em busca de proteção, é problema dos 'outros'.

"Todas as formas de racismo, intolerância étnica, religiosa ou nacional fundam-se na tentativa de fazer do semelhante um igual, ao preço de fazer do diferente um absoluto estranho", disse Maria Rita Kehl em seu 'Sobre Ética e Psicanálise'.

O 'absoluto estranho' expurgado da vida coletiva tem o dom de retornar. Tem o poder dos espectros. O feitio das sombras.

É a própria sociedade, silenciosa ou sorridente, quem paga, no 'acerto de contas', a fiança dos matadores.

https://ponte.org/artigo-isso-se-chama-genocidio/?fbclid=IwAR2UkYpcweGEVsaT1VxZFg8i7jgGarvoRFSsi1lMqdNokYgG2uoVvVQunBA

imagem: Natasha Neri para ponte.org

Tuesday, February 13, 2024

13 de fevereiro de 2020

Programa CASA DA MÃE JOANA MINHA VIDA

Guedes confirmado como ministro chefe da Casa Grande; Araújo continua fora da casinha.

Damares tem ideia fixa com acasalamento; Wajngarten só trabalha com venda casada.

Weintraub não faz o dever de casa; Olavo manda instruções do home office.

Salles finge que não sabe que a Terra é a única morada de que dispomos.

Caserna. Nem nos tempos da Ditadura tantos milicos habitaram o Executivo.

Flávio B. lava dinheiro comprando imóveis; Duda B. enxovalha a Casa do Povo; o B. sonha em morar no canil do Trump.

Adriano foi executado numa casinha de sítio na Bahia; Queiroz tem endereço fixo em SP; Carluxo estava no Vivendas da Barra enquanto Ronnie e Élcio se preparavam para sair e matar Marielle.

O Moro? É o capanga. O porteiro. O vigia.

Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína.

💧

imagem: Lula Marques

Monday, February 12, 2024

Professor @SamuelBraun no X Twitter

12/02/2024 (Quando todos os olhos estão voltados para o Rio)

"Esse é o mapa de parte da cidade do Rio de Janeiro. Em contorno vermelho parte de Jacarepaguá, Guaratiba e toda a Barra da Tijuca, aproximadamente a área de Gaza (365km2).

Nessa área no Rio moram cerca de 900 mil pessoas. No mesmo espaço, em Gaza, 2,5 milhões.

Israel ordenou que a população de Gaza fosse evacuando todo território e sendo comprimida na fronteira sul, mais ou menos na faixa que pintei de vermelho.

No Rio essa área corresponde ao sub-bairro do Jardim Oceânico, na Barra da Tijuca, onde residem cerca de 30 mil pessoas.

Em Gaza, corresponde ao sul, onde está a fronteira de Rafah com o Egito, que tinha pouco menos de 100 mil habitantes, mas atualmente abriga 1 milhão e meio de refugiados - a maior densidade demográfica do planeta!

Hoje Israel começou bombardeio por terra, ar e água contra essa região. Não há saída. Genocídio brutal, em área concentrada inédita na história. Ao vivo".

Samuel Braun 🇧🇷🇷🇺🇮🇳🇨🇳🇿🇦

Prof. Politicas Públicas @UERJ_oficial

Sunday, February 11, 2024

Polícia no morro

 Transcrito de O GLOBO. 31/05/2022. Atualizado 05/08/2022.

O compositor Cartola no chão, diante de viatura, após ser agredido por policial — Foto: Eurico Dantas/Agência O GLOBO

Havia mais de 200 policiais na Ponte Osvaldo Cruz, perto da Ilha do Fundão, às 6h50 daquela sexta-feira, 20 de fevereiro de 1976. Todos achavam que participariam de alguma operação na Ilha do Governador, ali perto. Mas o ponto de encontro fora marcado naquele local da Zona Norte apenas para evitar vazamento de informações sobre a verdadeira missão a cumprir.

Por volta das 7h, a tropa recebeu ordens para tomar o rumo do Morro da Mangueira. O objetivo da chamada "operação arco-íris" era prender criminosos na favela vizinha ao bairro de São Cristóvão, mas a ação ficaria marcada por detenções sem justificativa e por agressões contra a família de Agenor de Oliveira, o compositor Cartola, que chegou a ser esbofeteado por um agente de segurança.

Antes de subir o morro, os policiais ouviram de delegados a orientação para tratar os moradores da favela "com a máxima urbanidade". Minutos mais tarde, começaram a efetuar prisões sem explicação. Eram tempos de ditadura militar. Todos que não tinham carteira de trabalho assinada no bolso eram logo amarrados uns aos outros, pelas mãos e o pescoço, e levados a camburões numa situação que lembrava o transporte de escravizados até o século XIX.

Moradores da Mangueira presos e amarrados pelo pescoço por não ter carteira de trabalho — Foto: Eurico Dantas/Agência O GLOBO

Filho de Cartola, Ronaldo Silva de Oliveira foi abordado e também estava sem carteira profissional. De nada adiantou dizer que era funcionário público. Alguém o apontara como motorista do assaltante Antonio Branco, bastante procurado na época. O filho do sambista até confirmou que havia dirigido para o bandido uma vez, mas só porque estava sob a ameaça de um revólver.

Rapidamente, moradores que acompanhavam a ação disseram que aquele era o filho do célebre compositor, algo que foi logo confirmado por Euzébia Silva de Oliveira, a Dona Zica, mulher do artista. Mas, em vez de ouvir a moradora, os policiais começaram a empurrá-la em direção ao camburão, com a intenção de levá-la junto.

Cartola foi chamado, mas o baluarte da Mangueira, então aos 69 anos, acabou levando uns tapas no rosto enquanto argumentava. A certa altura, um delegado tentou apaziguar os ânimos. O sambista, indignado com toda aquela situação, dizia que não podia admitir a agressão sob a justificativa de que "enganos acontecem".

Moradores amarrados pelo pescoço por não ter carteira de trabalho, na Mangueira — Foto: Eurico Dantas/Agência O GLOBO

Enquanto o compositor descia o morro em direção ao asfalto, para acompanhar o filho até a delegacia, alguns moradores cantarolaram versos da então recém-lançada canção Meninos da Mangueira (Sérgio Cabral e Rildo Hora), em que Cartola e Dona Zica são homenageados. O delegado recebeu o sambista em sua sala, na Delegacia de Vigilância Norte, cercado por curiosos. Horas mais tarde, Ronaldo Silva foi liberado sem nenhum pedido de desculpas a ele ou a ninguém da família.

De acordo com a reportagem d'O GLOBO publicada no dia 21 de fevereiro daquele ano, entre os 60 homens detidos durante a força-tarefa, apenas um tinha contra si uma condenação na Justiça. Os outros 59 presos se mostravam preocupados com a informação de que só seriam liberados depois do carnaval. Mas o diretor do Departamento Geral de Polícia Civil, Sérgio Rodrigues, que considerou a "operação arco-íris" um sucesso, garantiu que só ia ficar preso "quem estiver devendo".

Cartola conversando com delegado após operação abusiva na Mangueira — Foto: Eurico Dantas/Agência O GLOBO

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Wednesday, January 17, 2024

17 de janeiro de 2013


O CANTO DA SEREIA

Andando por aí no Twitter e no Facebook, parece que o pessoal está surpreso que exista oposição ao Governo. Bem, sempre haverá. Ainda mais porque o resultado das urnas passou muito perto de ser empate!

Oposição é do processo democrático. O que não é do processo democrático é Golpe de Estado. Aliás, é o contrário.

Temos sido, nós brasileiros, vítimas das piores práticas da antipolítica. Antipolítica é o mesmo que dizer violência. E o 'acordo nacional com Supremo com tudo' em 2016 era já violência tanto quanto o quebra-quebra na Praça dos Três Poderes, o Capim Tólio.

Montar o 'maior escândalo de corrupção da História' a partir de denúncias arquitetadas por um notório ladrão, o Bob Jeff, foi também violência.

O lawfare e a prisão do Lula, idem.

A fraude eleitoral de 2018, à base de impulsionamento massivo de WhatsApp financiado por Caixa 2, nem fale!

Agora, o que deveria ser um dos ingredientes indispensáveis da labuta democrática, a oposição, está tudo contaminado pela antipolítica. Fake news a rodo nos esgotos dos aplicativos de mensagem repetem o modus operandi da Grande Mídia, que inventou tríplex, sítio, pedalada, desvios, carros de ouro, etc.

As coisas não se dão por acaso.

Mas nos esgotos dos aplicativos de mensagem as coisas saem do controle de um modo que ainda surpreende, inclusive a Grande Mídia.

Não é o caso, na minha humilde opinião, de combater a antipolítica no campo da antipolítica. Isso seria o mesmo que aceitar o convite da sereia do lodo do cartum da Laerte. Cair na armadilha.

Tampouco se vence a antipolítica com... política. A política é um jogo limpo, por definição. Por isso mesmo, fragilíssima. A antipolítica destrói a política, que passa a ser inútil.

A política só é possível num espaço contido por regras. E o que pode garantir as regras é o império da Lei.

O império da Lei é garantido pela Justiça e pelas forças da Ordem.

Em resumo: as práticas criminosas da suposta oposição ao Governo Lula são um enorme 'caso de polícia' e só assim devem ser tratadas. Desmentir fake news, apesar de inevitável, imprescindível e urgente, é o mesmo que enxugar gelo.

A crise da pós-verdade é mundial. Ou se arrasta os bandidos pros tribunais (que nem o Steve Bannon), ou os bandidos vão continuar levando a melhor.



17 de janeiro de 2023


Quero crer que as Forças Armadas, assim como as Polícias, estão bravateando quando insinuam destituir o Governo eleito. Elas não dispõem de apoio amplo o suficiente para perpetrar um Golpe comme il fault (se dispusessem, perpetrariam).

Acontece que o pessoal que defende que este é o momento de desmilitarizar a PM, extinguir os exércitos, ou apenas punir exemplarmente comandantes e generais, está blefando também.

Ninguém dá indícios de estar preparado para discutir a verdadeira revolução que seria tirar do centro das decisões as autoridades militares e policiais de um país punitivista e encarcerador como o Brasil.

Tudo fica só no nível da retórica que, por essas bandas, quase sempre descamba pro pensamento mágico.

Nosso buraco, infelizmente, é muito mais embaixo.


Rolezinho 2014. 4


17 de janeiro de 2014

E ainda sobre os rolezinhos: política não trata das "diferenças". Trata dos "antagonismos".


Monday, January 15, 2024

Rolezinho 2014. 3

 O 'NEGÓCIO É FARRA'?

No caso dos rolezinhos, fica cada vez mais claro que há uma disputa de narrativas em curso. Ganha quem explicar melhor a "verdadeira" motivação dos meninos e meninas que comparecem às invasões nos shoppings.

Independente, no entanto, daquilo que os venha mobilizando, esses jovens praticaram, antes de mais nada, uma ação.

E a ação coletiva, ainda que seja decidida por pessoas individuais pelos mais variados motivos, só pode ser efetivada mediante algum esforço conjunto em que a motivação de cada um deixa de contar, de modo que a homogeneidade de origem deixa de ser um requisito.

Agir, no sentido mais geral do termo, significa tomar iniciativa, iniciar, começar, imprimir movimento a alguma coisa.

A ação tem uma sintaxe própria que a conduz do começo ao fim e que está diretamente ligada ao que é mais aparente, mais verificável a "olho nu" (O espaço político, segundo Hannah Arendt é, por definição, o espaço da aparência, daquilo que se mostra e pode ser visto por todos).

A consequência imediata dos rolezinhos é a de interromper o fluxo nos shoppings. Ainda que declarem que estão lá para "tirar umas fotos", "dar uns beijos", "rever os amigos", o efeito concreto é o de uma ação de desobediência, visto que há um conjunto de regras estabelecidas que todos os envolvidos conhecem e praticam e que é posto do avesso.

Por terem se iniciado poucos dias antes que a lei que visava proibir bailes funk em logradouros públicos viesse a ser sancionada pelo prefeito, é lícito supor que os rolezinhos sejam uma resposta a esse novo patamar de criminalização das atividades de lazer da tribo urbana dos funkeiros.

Política é o termo que herdamos dos gregos para designar o espaço artificialmente criado para as discussões referentes ao convívio em coletividade. É o espaço onde os assuntos são disputados, negociados entre os cidadãos. Onde consensos provisórios são pactuados.

Na disputa pela narrativa dos rolezinhos, ganhou força, desde ontem, a versão em que os meninos e meninas querem apenas farra.

O erro básico, parafraseando Hannah Arendt, "é ignorar a inevitabilidade com que os homens se revelam como sujeitos, como pessoas distintas e singulares, mesmo quando empenhados em alcançar um objetivo completamente material e mundano".


Sunday, January 14, 2024

Rolezinho 2014. 02

 https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/rolezinho-nas-palavras-de-quem-vai.html?fbclid=IwAR2YN0k9OiB673tNLnE4rRtdwQ1hqy5RKWTeTZu_H-MyPieJcmqEQm5-WYI


Rolezinho 2014. 01

11 de janeiro de 2014

ROLEZINHO É AÇÃO POLÍTICA

Não é correto reduzir os "rolezinhos" à sua "profunda ambiguidade": ser demanda igualitária quando contesta a exclusividade de espaços semipúblicos para quem tem dinheiro e, ao mesmo tempo, ao expressar fascínio pelo universo da mercadoria, ajudar a reproduzir a desigualdade contestada. Isso é verdade, como explicou o antropólogo Alexandre Barbosa Pereira ao <brasil.elpais.com> e como lembrou hoje André Singer em sua coluna na Folha. Mas não só.

Na esteira das jornadas de junho, os encontros de milhares de jovens de periferia em shoppings da cidade têm um "modo de fazer" que diz mais, talvez, até, que as demandas explicitadas por seus participantes.

Não se vai ao shopping "dar um rolê" com 5.000 pessoas. Você vai com 5.000 pessoas ao shopping para PARAR o shopping. Nenhum lugar desses tem estrutura para comportar um encontro de milhares de jovens todos-ao-mesmo-tempo e até o porcelanato das paredes das lojas sabe disso. O "rolezinho" vai ao shopping como o manifestante fecha a avenida, como o Ocupa Rio monta suas barracas, como os índios picham o Monumento às Bandeiras. É horizontal como uma passeata do MPL. E é "performance", igual ao black bloc. Negar-lhe essa intencionalidade, ainda que difusa, e mais  carnavalesca, é confinar a ação numa camisa-de-força "antropológica" ou sobrecarregar a análise de preconceito sociologizante. Rolezinho é ação política. Por estar ligada ao funk ostentação ou à vontade de ir ao "templo do consumo", ou mesmo por ser "bagunça", não é menos ação política. E quanto à sua finalidade - parar o shopping - não tem nada de ambíguo.

Sendo assim, a atitude das administrações de shoppings de impedir que outros eventos se repitam teria que estar prevista por essa garotada  necessariamente. Eles não são  e isso não está claro para nós que olhamos de fora  bobos e sabem que em qualquer disputa é preciso haver dois lados. Resta ver o fôlego do impulso político que moveu esses milhares de meninos e meninas. Em negociações sociais, quando uma porta se fecha, outras têm que ser abertas. É importante não perder de vista que o "lado contrário" irá defender sua posição. Cada nova porta só se abre ao ser forçada. Com a chegada da "repressão" iniciou-se um segundo tempo nessa partida. O alcance da "estratégia rolezinho" vai passar por sua primeira prova.

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1396595-policia-usa-bombas-de-gas-e-bala-de-borracha-em-rolezinho-em-sp.shtml

Sunday, January 07, 2024

7 de janeiro de 2016

FRANGO, SAMBA, ROCK, POLENTA E A SAMPA DOS ANOS OITENTA

A notícia do encerramento das atividades do Restaurante São Judas Demarchi me fez lembrar de algumas coisas do mundo da MPB nos primórdios da década de 80 do século XX.

Entre as inúmeras possibilidades de assistir músicos ao vivo na São Paulo daquele tempo, havia dois polos muito procurados.

Às ruas do Bexiga, de bares pequenos, ia quem queria ouvir o repertório da Elis, do João Bosco, do Chico, da Gal, da Bethânia, do Gonzaguinha e congêneres. Cantavam sentados os músicos e ouviam sentados os frequentadores.

Para a Avenida Ibirapuera ia a turma que curtia o que, na época, chamávamos de sambão. Os clássicos do Ciro Monteiro, do Jair Rodrigues ou do Noite Ilustrada se misturavam aos sucessos de rádio da Clara Nunes, do Benito de Paula, Martinho da Vila, Alcione, Luiz Airão, Agepê. Dançava-se no palco e no salão. A "casa" paradigma da Ibirapuera era a do Sargentelli e tinha "show de mulatas".

Um terceiro polo, mais escondido, ficava justamente nos restaurantes da Rota do Frango com Polenta em São Bernardo. Lá o que mais se tocava era o estilo que Jorge Ben inventou, muito apreciado em São Paulo*, um samba com influências de música negra americana e o set de acompanhamento sistematizado pelo Trio Mocotó: violão, pandeiro e timba.

O sambalanço do Demarchi abraçou feliz as novidades da virada de década. Estava inteiramente preparado para assimilar o Rock BR das bandas que surgiram por volta de 83 e 84, assim como antes conversava sem susto com a influência da Jovem Guarda ou com as baladas românticas na linha Roberto Carlos. Sempre com a levada nascida da munheca do Jorge Ben, começava a fermentar ali um estilo que viria a dominar durante anos a cultura musical de massas, o chamado "pagode romântico", ou pejorativamente, "pagode mela-cueca". Os músicos eram tão ostensivamente sorridentes que não demorou quem batizasse o novo estilo de "pagode dos Ursinhos Carinhosos".

De lá para cá muita coisa aconteceu. A MPB que se ouvia no Bexiga cristalizou-se e permanece praticamente intacta, apresentada, salvo exceções, como se entrássemos numa cápsula do tempo. Ganhou um novo nome: "Som de Barzinho". O sambão-joia feito pra turista sequer resistiu aos anos 80, substituído pelos pagodeiros pop e por uma revitalização do samba de raiz que, em anos recentes, se espalhou pelo país inteiro.

O Restaurante São Judas, nos anos 90, recebeu 11 mil pessoas em um único Dia das Mães.

A casa podia atender 65 mil clientes por mês. Servir entre cinco e seis toneladas de frango por semana. Num único salão poderia acomodar 2.850 pessoas.

O dono bota a culpa na crise, mas logo se contradiz: "Não existem mais restaurantes com esse tamanho, e com os custos que isso demanda. Hoje as casas são pequenas, com alta rotatividade. Há anos os resultados vêm diminuindo".

Ou seja, o maior restaurante da Rota do Frango com Polenta, assim como a boêmia no Bexiga e as casas de samba da Avenida Ibirapuera são retratos de um outro tempo. Não só de um Brasil diferente, mas de um mundo que se transformou em seus aspectos mais profundos.

* Para saber da influência de Jorge Ben entre os paulistas, o documentário lançado pelos Racionais MC's como extra do DVD "Mil Trutas, Mil Tretas".


Para ler a matéria da Folha sobre o encerramento das atividades do Restaurante São Judas Tadeu, em São Bernardo do Campo:


Thursday, December 28, 2023

28 de dezembro de 2016


SENSO DE MEDIDA

Eu sou artista há mais de 40 anos e se eu tivesse, em algum momento, conseguido fazer uma música só, não do Chico, mas do Caetano; não um clássico do Tom, mas um samba do Paulinho da Viola; se eu tivesse escrito, não uma obra-prima do Bandeira, mas um dos bons poemas concretos do Augusto de Campos; tivesse pintado, não um Matisse, mas um Volpi; tirado não uma foto do Capa, mas do Brassaï; se eu fosse autor, não de um conto do Torga, mas de um romance do Saramago, de um solo do Costita, não do Coltrane, enfim, de qualquer uma, não mais que uma, dessas criações, eu morreria me sentindo o pica-das-galáxias do meu quarteirão, por ter sido capaz de ultrapassar - ainda que uma vez somente - os limites de tudo que produzi ao longo da vida inteira. Por isso, causa-me estranheza ver que há quem acredite que a Carrie Fisher tinha problemas por ser atriz de um papel só, quando o papel em questão é o de uma das personagens do núcleo central da saga Star Wars. É necessário, para tanto, desconhecer, ou menosprezar, o enorme mistério que envolve a consagração dos ícones da cultura - popular, ou erudita - em qualquer tempo ou lugar em que esse milagre re-aconteça. Soa inteiramente desprovido de sentido considerar mais importante aparecer em vários filmes do que entrar para a História como a escolhida que interpretou a Princesa Leia, líder da Aliança Rebelde contra o Império Galáctico, gêmea do Luke Skywalker, filha do Darth Vader e amiga do Chewbacca. Na hipótese de que Carrie, segundo declarou em entrevistas, se sentisse presa ao papel como numa armadilha montada pela cruel (não há ironia no uso do adjetivo) indústria cinematográfica, a solução continua a me parecer fácil: telefonar e pedir umas dicas para o Harrison Ford. Os dois foram colegas de set, dizem que até namoraram, ele passou pelo mesmo problema e, pelo jeito, se resolveu a contento.

28 de dezembro de 2019


ÓI NÓIS AQUI TRÁ VEIZ

O MPL convoca manifestação toda vez que se anuncia aumento de tarifa em São Paulo. Já fazia isso desde 2000, quando um embrião do grupo foi criado no Fórum Mundial Social em Porto Alegre. Acaba de criar 'evento' no Facebook, como mostra o print acima (ou abaixo). Pouco ou nada mudou para o movimento desde seus primórdios, apesar de até hoje ter seu nome associado a grandes acontecimentos da vida nacional. E isso não é contraditório, ao contrário do que possa parecer, como tento demonstrar a seguir.

Em 2014, a Folha publicou um resumo dos sete atos que aconteceram entre os dias 6 e 19 de junho de 2013 em São Paulo.

É nítido: os atos 1, 2 e 3 são comandados pelo MPL e quem toma parte deles vai às ruas contra o aumento da tarifa e em defesa da mobilidade urbana.

O ato de número 4 é 'sequestrado' pelo Choque. A selvageria policial extrapola, sai do controle. Cria-se ali um fato político onde os manifestantes entram como vítimas, não mais como protagonistas.

O quinto ato, apesar de convocado pelo MPL, vê chegar uma multidão heterogênea e difusa, nitidamente 'descolada' das pautas originais. Não serão registrados 'atos de vandalismo', ao contrário das manifestações ocorridas nos dias anteriores.

Nos atos 6 e 7, todo mundo que acompanhou à época percebeu, sequer se notava a presença do MPL. A Direita já havia tomado posse.

O papel do MPL nas manifestações de junho de 2013 em São Paulo, portanto, foi secundário. Os atos que o grupo efetivamente liderou serviram, quando muito, de estopim para algo que estava latente. Atribuir qualquer significado relevante ao MPL no que se viu depois de junho de 2013 no Brasil é mais ou menos como avaliar que o estudante sérvio que matou a tiros o arquiduque do Império Austro-Húngaro é o responsável pela Primeira Guerra Mundial.

Parte da esquerda não-petista insiste numa leitura 'não conservadora' das manifestações que se espalharam pelo Brasil naqueles meses. Em São Paulo, é farta a documentação na imprensa e nas redes sociais, aconteceram dois fenômenos distintos. O MPL foi 3 vezes à rua para lutar pela mobilidade urbana e pela 'descatracalização da vida'. Os meninos e meninas apanharam tanto da PM que geraram na população de classe média um sentimento de revolta. Esse sentimento, quem sabe, levou milhares de pessoas ao Largo da Batata no dia 17. Dia 17 já é parte de outro fenômeno. E neste segundo instante, para onde quer que se dirija o olhar, vai aparecer, sem sombra de dúvida, a Direita tomando posse do 'movimento'. O que acontece a partir dali tem clara ligação com o que vinha acontecendo desde o 'Mensalão' e forma um todo coeso com o Golpe de 2016 e com a ascensão da Extrema Direita. Uma retomada do controle do Estado pelas oligarquias que havia momentaneamente diminuído desde a Constituição de 1988.

O MPL, desde antes, e desde então, é um movimento de pequenas proporções. Não se transformou com o aumento de visibilidade conquistado em 2013. Continuou, e continua, na sua vidinha de pular catraca e quebrar vidraça. São bons no que fazem. Afinal, mobilidade urbana é um tema fundamental na agenda dos direitos cidadãos. Mas 2013 e o MPL têm relação apenas de contiguidade. Jamais de causa e efeito.

Leia a seguir o resumo feito pela Folha em 2014:

RELEMBRE EM 7 ATOS OS PROTESTOS QUE PARARAM SP EM JUNHO DE 2013

JOÃO WAINER - EDITOR DA 'TV FOLHA' E DIRETOR DO DOCUMENTÁRIO 'JUNHO'

ATOS 1, 2 E 3

Com exceção de quem ficou preso no trânsito do centro e da marginal Pinheiros nos dias 6 e 7 de junho, quando ocorreram o primeiro e o segundo ato contra o aumento da tarifa, quase ninguém percebeu a conexão entre o que começava em São Paulo e o que já havia acontecido em Florianópolis e em Salvador.

Nas duas cidades, o MPL (Movimento Passe Livre) conseguiu reverter o aumento das passagens de ônibus com milhares de pessoas nas ruas. Em São Paulo, foi preciso uma onda de vandalismo, protagonizada por anarcopunks (com depredações de ônibus e de agências bancárias), para que o governo, a imprensa e a população percebessem os manifestantes. Isso ocorreu no 3.º ato, no dia 11.

A reação da mídia e do governo no dia seguinte foi similar, condenando o vandalismo dos manifestantes. O governador Geraldo Alckmin (PSDB), que estava em Paris com o prefeito Fernando Haddad (PT), afirmou que a ação de "baderneiros" destruindo o patrimônio era "intolerável".

A Folha e o "Estado de S. Paulo" publicaram editoriais pedindo a retomada da Paulista. Nas TVs, opiniões raivosas de Arnaldo Jabor, da Globo, e do apresentador José Luiz Datena, da Band, atiçaram a PM. A cena do policial Wanderlei Vignoli sangrando foi a gota d'água.

No dia 12, a corporação afirmou que os manifestantes não se sentiriam à vontade para se manifestar no ato marcado para o dia seguinte.

ATO 4

A promessa da PM foi cumprida. Na quinta-feira, dia 13, antes de o 4.º Ato Contra o Aumento da Tarifa começar, cerca de 50 manifestantes já haviam sido presos - muitos deles por portarem vinagre, que, além de temperar a salada, serviria para amenizar os efeitos do gás lacrimogêneo.

O que se viu em seguida foi uma ação desastrada da PM, que iniciou um confronto na esquina das ruas Maria Antônia e da Consolação, atirando bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha em manifestantes, jornalistas e pedestres.

O colunista da Folha Elio Gaspari escreveu em artigo, no dia seguinte: "Quem acompanhou [...] pode assegurar: os distúrbios de ontem começaram às 19:10, pela ação da polícia, mais precisamente por um grupo de uns 20 homens da Tropa de Choque, com suas fardas cinzentas, que, a olho nu, chegaram com esse propósito".

Os disparos de bala de borracha no olho que a repórter da "TV Folha" Giuliana Vallone e o fotógrafo Sérgio Silva levaram foram um tiro no pé da própria Polícia Militar. A imagem dos jornalistas feridos correu o mundo e provocou uma reação de imediato repúdio da opinião pública.

As redes sociais ferveram como nunca antes, e a imprensa engrossou o coro dos descontentes. Todos denunciavam agressões e cobravam punição.

ATO 5

E foi. Na segunda, dia 17, eram milhares de pessoas nas ruas. Na concentração, no largo da Batata, o Datafolha contou 65 mil, mas, no decorrer da passeata, outros milhares se juntaram aos primeiros, formando uma multidão gigantesca nas ruas.

Em um certo momento, a passeata se dividiu em três blocos. Um foi para o Palácio dos Bandeirantes, outro para a avenida Paulista e o terceiro para a avenida Luiz Carlos Berrini. Houve tentativa de invasão ao palácio do governo aos gritos de "ei, Geraldo, seu governo vai cair".

No Rio, manifestantes atearam fogo na porta da Assembleia Legislativa; em Belo Horizonte, houve confronto com policiais; brasileiros no exterior foram até suas embaixadas para apoiar o movimento; centenas de cidades se rebelaram e foram às ruas protestar.

A vitória da seleção brasileira de futebol na Copa das Confederações, que ocorria paralelamente às manifestações, em vez de tirar o foco do que acontecia nas ruas, fez com que protestos contra a Fifa e a Copa de 2014 entrassem definitivamente na pauta dos manifestantes. Nascia o atormentador grito de "não vai ter Copa".

ATO 6

No dia 18, terça-feira, a manifestação se transformou em uma revolta popular. Como em uma batalha medieval, manifestantes atacaram a sede da Prefeitura de São Paulo. Na entrada lateral, tentaram derrubar a porta com um poste arrancado da rua. Enquanto isso, no hall principal, poucos guardas-civis lutavam bravamente para impedir que a multidão em fúria tomasse conta do prédio.

A PM, ainda sob impacto das fortes críticas que sofreu após atos de violência, desapareceu. O recado foi claro: "Vocês reclamam que a polícia é violenta, então vamos ver como é sem polícia". Naquela noite, marginais se aproveitaram da ausência policial e saquearam lojas das ruas São Bento e Direita. Pessoas corriam carregando TVs de plasma, brinquedos e até geladeiras nas costas. A PM só deu as caras horas depois da confusão.

ATO 7

Na quarta (19), o 7.º Ato Contra o Aumento da Tarifa, que deveria ser uma comemoração, foi o mais confuso e talvez o mais significativo do momento que o país esta vivendo. Com o aumento da tarifa revogado, abriu-se espaço para as mais diversas reivindicações em todos os espectros políticos, da extrema esquerda até a extrema direita.

Segundo o cientista político Marcos Nobre, o que aconteceu no dia 19 foi diferente de qualquer outra grande manifestação já ocorrida no país. "Até junho de 2013, as pessoas iam para as ruas sempre por um objetivo comum, como foram as Diretas ou o impeachment de Collor. O que se viu naquele dia foi cada um com a sua reivindicação e com opiniões muitas vezes incompatíveis. Obviamente, isso não viria sem conflito."

28 de dezembro de 2019

Luiz Kignel, presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo, disse ao Estadão: "Agora um presidente olha por nós". Juntam-se a ele o Jorge Paulo Lemann ("O rumo do Paulo Guedes está correto. Poderia ter menos agito na parte política") e o Cândido Bracher ("É uma situação macroeconômica tão boa que eu nunca vi em minha carreira). Pronto. Taí o que a gente precisa pra saber como o Bolsonaro foi 'eleito', como ele ainda não 'caiu' e quanto tempo ele 'permanece'. Ah, claro, quanto tempo ele permanece não dá pra dizer exatamente, mas nada justifica qualquer otimismo. Só pra completar: esses 3 não estão sozinhos.

28 de dezembro de 2019



Por trás da eterna discussão sobre os 'significados' de 2013 está um pressuposto: o Golpe poderia ter sido evitado.

Mas, na América do Sul, um presidente cai a cada 10 meses, em média, há mais de 100 anos!

O Lula, que, no lugar da Dilma, teria, por supuesto, resolvido a situação, amargou quase dois anos de cadeia. Derrubaram mês passado o Evo Morales... enquanto no Chile e no Equador os presidentes insistem em permanecer. Sintomático, não?

O 'grande acordo' com Supremo com tudo, parece, é mais que continental. É sistêmico.

Talvez quem não viveu os anos de chumbo no Brasil não conheça o ar sufocante que fica quando as oligarquias estão no Governo. É um peso. Da porra. Achar que é possível encarar o bafo desse Leviatã é, no mínimo, dificuldade com cálculo.


Wednesday, December 27, 2023

27 de dezembro de 2023


E ASSIM SE PASSARAM 10 ANOS

Final do ano, em 2013, as coisas tinham acalmado.

Final do ano, em 2014, o campo democrático venceu a eleição por um trisco.

Em 2015, final do ano, a coisa tava tensa.

Em 2016, foi Golpe!

No final de 2017 nossas esperanças estavam concentradas no Lula.

No início de 2018, PRENDERAM o Lula!

No final de 2018, o impensável aconteceu e um boçal de extrema direita ganhou com a missão de botar o país pra baixo de cu de cobra. Botou.

A partir daí, são aquelas lembranças de quem capota com o carro. Tudo meio borrado. Meio embaralhado.

Tava foda.

Mas veio 2020. E, véio, pandemia é um horror, mas pandemia + Bolsonaro, eu não desejo nem pro meu pior inimigo. Ou melhor: desejo sim!

Foi aí que o Lula, no melhor estilo Star Wars, ressurgiu das cinzas e salvou nóis tudo!

Tem uns bocó que até hoje ganha a vida arranjando defeito no Lula. Como se a premissa pra salvar nóis tudo fosse não ter defeito.

Essa é, no entanto, talvez, a principal qualidade do Lula. Saber que a perfeição é uma meta perseguida pelo goleiro que joga na Seleção, etc. etc. etc.

O alívio de terminar 2023 como estamos terminando não cabe num textão dessa rede social em franca decadência. Voltar aos velhos posts de gatinhos, selfies do Natal em família, imagens sorridentes de viagens de férias, pratos de comida e pouquíssimas notícias (como acontecia até 2012) é o grande indicador de que já não estamos entregues à sanha destruidora dos nazifascistas versão brasileira.

Que voltamos a respirar.

Não é pouco. E é uma delícia. Mas, cares amigues, eu, de minha parte, não relaxaria os esfíncteres. Os últimos 10 anos foram terrivelmente parecidos com aqueles outros 500, a contar de quando Cabral aportou por aqui.

O Brasil continua tendo um grande passado pela frente.

27 de dezembro de 2016

 


27 de dezembro de 2016


A Princesa Leia morreu. Eu sei que a modinha da semana é falar que '2016' não é culpado de nada, afinal o que denominamos ano é apenas uma convenção humana para organizar o tempo, blá, blá, blá.

Mas, ó, xô falar: tá difícil!!! 2016, seu filho de uma égua!!!

Vou adotar, para efeito de conciliação entre as tribos, hipótese mais tangível: o lado obscuro da Força tá botando pá fudê ultimamente. Melhorou?

Na imagem, Carrie Fisher em ensaio para a revista Rolling Stone.


27 de dezembro de 2016

É bem curioso o modo de pensar da esquerda no Brasil. Lula levou 20 anos até virar presidente e, no processo, além do vento da redemocratização soprando a favor, assinou uma Carta aos Brasileiros, adotou o slogan "Lulinha Paz e Amor", conciliou com deus-e-todo-mundo, concedeu, aceitou, fez coalizão, acordo, desvio de rota para, antes de chegar à metade do mandato, ainda tomar um Mensalão nos cornos. Daí pra frente, refém do PMDB, foi encontrando meios de transformar tudo o que estava dentro do horizonte do possível, até a vitória final do golpismo, quando nada do que foi construído escapa à sanha devoradora da regressão. Acreditar que Lula tira o Brasil do atoleiro nas condições francamente adversas em que o campo democrático se encontra é a versão classe média letrada do messianismo típico das massas sem dinheiro dessa nossa eterna colônia. Lula 2018 é a esquerda brasileira dando bandeira de que também acredita em herói. Pois lhes digo, caros amigos, o herói é aquele que retorna ao final da saga. O herói que morre no percurso, deixa de ser herói e passa a ser mártir. Lula Mártir 2018, sou contra.

27 de dezembro de 2014


A rede social é um ponto cego cercado de pontos cegos por todos os lados.

Ou, a rede social é um lugar de onde é preciso ser resgatado! Um cipoal de palpites, informações, furos de reportagem, chutes, mentiras...

Daí a naturalidade com que cada um grita seu palpite, informação, furo de reportagem, chute, mentira... como quem pede socorro.

Ou, ainda...

A rede social é um labirinto em que toda parede torta abre outra entrada estreita, sem um fio que conduza de volta à saída.

É nisso que reside a mágica da coisa. Pra cada grande verdade, sempre haverá um desmentido. Pra toda narrativa, um desenredo. Pra qualquer zona cinzenta um facho de luz. E vice-versa.

Não há exatamente bússolas, ou sistemas de navegação, só esse eterno e tateante tête-à-tête que o meu catálogo de metáforas de gosto duvidoso... como queríamos demonstrar.

Sunday, December 24, 2023

24 de dezembro de 2016


VEJA, no maior descaramento, faz uso de um símbolo da luta democrática universal para ilustrar sua retrospectiva do annus horribilis de 2016. O capital tem poder de cooptar cartunistas geniais como esse Eco Moliterno. Se pensa que com isso coopta de cambulhada o sentido do original da paródia, pensa errado.

Senão vejamos.

Contam que em 1940, Paris ocupada pelos nazistas, dois oficiais alemães, diante do gigantesco painel recém concluído, perguntaram a Picasso: "Foi o senhor quem fez isto?". Ao que o espanhol respondeu prontamente: "Não, foram os senhores".

Se um dia alguém perguntar de quem é a responsabilidade por estarmos, 52 anos depois, em situação institucional tão precária e semelhante ao golpe de 1964 que justifique a analogia com o despedaçamento da Guernica, eu, de pronto, diria: não só, mas MUITO, da revista dos Civita.

Engulam, pedaço por pedaço, as quatro capas, usurpadores.

Nem vem de garfo, que hoje é dia de sopa. Pá riba de muá?

¡No pasarán!


24 de dezembro de 2022

Assim como nós havíamos sido derrotados em nossos "não passarão", "fora Temer", "ele não" e tantos outros, os bolsominions estão voltando pra casa de mãos abanando.

Assim como nós, eles cultivaram esperanças plantadas em solo ressecado. O Golpe era impossível de evitar. O grande acordo nacional com Supremo com tudo, depois que 'decidiram' por ele, provou-se 'imparável'.

A derrocada do bolsonarismo, algo que sequer sabemos se existe, ou é ficção a serviço do próprio Golpe, é igualmente inevitável.

Bolsominions (como nós fomos) são figuração. O poder decisório passa longe das micaretas verde amarelas e mais ainda dos acampamentos de porta de quartel.

Está mais do que na hora de deixar de dar atenção para essa pequena massa de ignorantes. Gente sem repertório político, estético, ético.

Para isso acontecer, a gente antes porém, tem que reconhecer nossa 'miniondependência'. Nossa adicção, o prazer repetitivo de chutar cachorro morto.

Eles só dançam quando alguém bate palmas.

Friday, December 22, 2023

22 de dezembro de 2021


Lembra o Édipo, aquele q matou o pai e casou com a mãe? Então, ele fura os olhos no fim por decisão própria. O castigo na Grécia antiga, a penalidade foda, mesmo, eram o banimento e o ostracismo.

Condenava-se o cidadão ao desterro: um apátrida, um pária.

Pois bem, a Globo não incluiu a Regina Duarte no Especial 70 Anos das novelas no Brasil.

Achei trágico. 😄

22 de dezembro de 2019


PROFESSOR MISÉRIO

Esse senhor que, de tão branco, tem o nariz vermelho, escreve sobre questões da negritude no Brasil há décadas. Sociólogo. Baiano. Antonio Risério.

Hoje ele publicou na Folha um artigo com o título Lugar de Fala é Instrumento para Fascismo Identitário.

Ele tem se sentido cerceado no debate nacional.

Acho possível discutir os termos propostos no texto. Apesar do polemismo lacrador exercido com o profissionalismo de quem já trabalhou ao lado do marqueteiro João Santana, não é puro absurdo o que Risério afirma.

Mas tem um problemão, em dois momentos (tem mais, mas vou me ater a esses dois, gravíssimos).

A frase que inicia o artigo: "Minha intenção, aqui, é colocar o tal do lugar de fala no seu devido lugar". 😲

E, mais pra frente, quando diz perceber "uma onda de violência se encorpando assustadoramente em todo o país".

Para Risério a onda parte "tanto do segmento atualmente mais barulhento da esquerda, cristalizado nos movimentos identitários e suas milícias (eufemisticamente tratadas como 'coletivos'), quanto da extrema direita, com sua ponta de lança na boçalidade bolsonarista".

O enrosco, segundo ele, é que "a crítica esquerdista a uma ascensão do fascismo entre nós tem sido feita de maneira estranha e sintomaticamente seletiva".

E completa: "O que vemos são ataques ao fascismo de direita - e silêncio sobre o fascismo de esquerda. Como no dito popular, os macacos se negam a olhar o próprio rabo". 😱

Aí fudeu, né? Vai colocar 'os macacos' no seu 'devido lugar'?

Num texto sobre racismo?!?

Só pra fechar, é ainda sintomático o exemplo que Risério escolheu para comprovar a 'onda de violência' vinda do lado das 'milícias' dos movimentos identitários: "em 2013, numa feira literária em Cachoeira do Paraguaçu, no Recôncavo Baiano, [...] extremistas identitários impediram o geógrafo Demétrio Magnoli de falar e praticamente o expulsaram da cidade".

Sem dúvida mais um exemplo infeliz de quem quer comparar tiros no ônibus do Lula, execução da Marielle, ou fogos de artifício no barco do Glenn Greenwald com o esculacho de uma figura pública altamente agressiva.

Evidente que um cara com a experiência de escritor que esse homem tem escolheu conscientemente as palavras que usou. Os motivos... vai saber! O resultado é que o texto inteiro fica contaminado.

Vai aqui o link da matéria, aberto para assinantes da Folha: