Monday, July 31, 2023

31 de julho de 2018


Ao contrário do que parecia óbvio, Jair Bolsonaro saiu ileso do Roda Viva. Por ironia do destino, no mesmo dia em que Neymar Júnior virou picadinho poucos minutos depois de lançar seu comercial-desabafo pago pela Gillette.

Duas diferenças entre um e outro: apenas no YouTube do patrocinador, o camisa 10 tem quase 1 milhão de views e cerca de 60 mil likes ou deslikes. Visto que dali o vídeo viralizou, a repercussão necessariamente tem que ser medida em dezenas ou centenas de milhões, e ao redor de todo o planeta.

O Roda Viva dá traço no Ibope toda semana. Boa parte do país sequer recebe o sinal da TV Cultura.

A segunda diferença: a avalanche de críticas a Neymar partiu diretamente das redes sociais. Bolsonaro foi sabatinado pela imprensa chapa branca da eterna província constitucionalista de São Paulo.

Se havia alguma dúvida sobre a 'arena' das eleições de outubro, passou da hora de saber que só a internet vai permitir o enfrentamento do discurso do golpe. Ainda que o candidato preferencial deles seja Geraldo Alckmin, a segunda opção, Bolsonaro, tem blindagem garantida. Ao contrário, mesmo os candidatos à esquerda sem qualquer chance, como Manuela, permanecerão amordaçados. Ao golpe pertence tudo quanto de mainstream se avista na comunicação do Brasil. E a ovelha raspa o pelo, mas não perde o vício.

Outra discussão que deixa de ter sentido, se é que já teve em algum momento, passa por decidir se é bom ou ruim falar mal das pessoas ruins na internet. 'Um Novo Homem Todo Dia' bateu recordes de menções negativas. Por isso, e só por isso, 'Neymar, Gillette e agência' estudam 'reação', como noticiou o UOL, sem perder a oportunidade para o deboche: 'comercial cai mal', diz a manchete. O pelo e o vício, como queríamos demonstrar.

Bolsonaro no Roda Viva? Não foi confrontado. Repetiu o que sempre diz e ninguém ofereceu resposta - ou pergunta - à altura.

Enquanto as redes sociais transformavam a gilete do reizinho em guilhotina, o candidato a führer saiu do estúdio mais vistoso do que entrou. Barba, cabelo e bigode. Quase ninguém viu, mas os tosquiados fomos nós.

Como se não bastasse, ainda se encontra, na própria rede, gente sinceramente admirada com a eficácia da burrice de Jair Bolsonaro. Não é disso que se trata. O discurso totalitário funciona para os convertidos, não passa daí. E só vai amealhar mais adeptos enquanto não encontrar resposta. Embora Bolsonaro, estatisticamente, não seja a principal ameaça, sua ideologia nefasta precisa ser combatida. Assim como as deles, nossas ferramentas estão disponíveis. Hora de usá-las. Feito lâminas.

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Friday, July 28, 2023

28 de julho de 2021


Mijair Flatonaro condecorou com medalhas de ouro 11 ministros q supostamente tiveram 'atuação destacada no campo das atividades científicas, educacionais, culturais e administrativas pelos resultados benéficos à saúde de brasileiros'.

Deu também uma medalha pro Lira, outra pro Pacheco, deu medalha pro médico da fakeada em Juiz de Fora, pro médico da fakeada no Einstein, pro Barras Torres da Anvisa e, last but not least, deu medalha pra... Micheque!

São quase 600 mil mortos pela Covid. O Enem tem o menor número de inscritos desde 2005. A Secom comemora o Dia do Agricultor com a imagem de um jagunço. A Casa Civil foi loteada para o Centrão. O índice de desemprego é o maior desde o início da série histórica do IBGE, em 2012. A área sob alerta de desmatamento na Amazônia Legal durante o primeiro semestre de 2021 é a maior em seis anos. O servidor do CNPq queimou!

A premiação do Messias fede a escárnio. Um pódio podre.

Uma Olimpeida!

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28 de julho de 2015

Lava Jato atinge 7 das 10 maiores obras do PAC.

Teoria da conspiração é uma merda. Mas, porra! 7 em 10?!?

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28 de julho de 2022

Se o Ciro não tem força para chegar ao segundo turno e se no segundo turno o Ciro promete não trabalhar contra o Bolsonaro, não há qualquer razão para a candidatura do Ciro continuar a existir no campo democrático. É um braço auxiliar da Extrema Direita. E só.

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Monday, July 24, 2023

24 de julho de 2019

Eu não manjo picas do assunto, mas o Google taí pra ajudar gente assim que nem eu. A versão corrente é que o Sérgio Moro atendeu uma chamada que veio de seu próprio número e com esse procedimento o hacker de Araraquara (por que será que isso me faz lembrar do ET de Varginha?) acessou outros telefones e aplicativos de mensagens. A essa técnica dão o nome de 'spoofing', que significa 'falsificar'. A imprensa tem chamado a atenção para o fato de que não se trata de uma 'invasão' em sentido estrito, pois a vítima participa do golpe cumprindo o que é determinado pelo 'farsante'. Por exemplo: aquele e-mail que chega pedindo para clicar num link qualquer, que é a ação de spoofing mais comum. Só dá certo se você clicar. O que o Google me disse, e eu posso ter entendido tudo errado, já que ignoro praticamente tudo que se refere ao tema, é que, no caso da falsificação de 'cell phone calls', a gente também tem que responder e fornecer informações que o estelionatário do outro lado da linha está pedindo. NÃO FUNCIONA como nos filmes, em que o espião todo vestido de preto clona o chip em uma fração de segundos. Isto posto, portanto, e salvo engano meu, temos aí a parte mais verossímil do relato construído pela imprensa em conjunto com a assessoria do Ministério da Justiça. Consigo imaginar, sem susto, o Sérgio Moro conversando calmamente pelo telefone e fornecendo a senha do Telegram para ele mesmo. Imagino, inclusive, a cara de discreto prazer ao desligar, curtindo a satisfação de atender um pedido da pessoa que ele mais ama na face da Terra.

*

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Saturday, July 22, 2023

"A autoridade que perdemos"

Hannah Arendt by Barbara Niggl Radloff, janeiro de 1958

O sintoma mais significativo da crise [da autoridade], a indicar sua profundeza e seriedade, é ter ela se espalhado em áreas pré-políticas tais como a criação dos filhos e a educação, onde a autoridade no sentido mais lato sempre fora aceita como uma necessidade natural, requerida obviamente tanto por necessidades naturais, o desamparo da criança, como por necessidade política, a continuidade de uma civilização estabelecida que somente pode ser garantida se os que são recém-chegados por nascimento forem guiados através de um mundo preestabelecido no qual nasceram como estrangeiros. Devido a seu caráter simples e elementar, essa forma de autoridade serviu, através de toda a história do pensamento político, como modelo para uma grande variedade de formas autoritárias de governo, de modo que o fato de mesmo essa autoridade pré-política, que governava as relações entre adultos e crianças e entre mestres e alunos, não ser mais segura significa que todas as antigas e reputadas metáforas e modelos para relações autoritárias perderam sua plausibilidade. Tanto pratica como teoricamente, não estamos mais em posição de saber o que a autoridade realmente é.

(...) admito como pressuposto que a resposta a essa questão não pode em absoluto se encontrar em uma definição da natureza ou essência da “autoridade em geral”. A autoridade que perdemos no mundo moderno não é esta “autoridade em geral”, mas antes uma forma bem específica, que fora válida em todo o mundo ocidental durante longo período de tempo. Proponho-me, portanto, a reconsiderar o que a autoridade foi historicamente e as fontes de sua força e significação. Não obstante, em vista da atual confusão, parece que mesmo essa limitada e tateante abordagem deve ser precedida de algumas observações acerca do que a autoridade nunca foi, a fim de evitar os mal entendidos mais comuns e assegurar que visualizemos e consideremos o mesmo fenômeno, e não uma série qualquer de problemas conexos ou desconexos.

Visto que a autoridade sempre exige obediência, ela é comumente confundida como alguma forma de poder ou violência. Contudo, a autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção; onde a força é usada, a autoridade em si mesmo fracassou. A autoridade, por outro lado, é incompatível com a persuasão, a qual pressupõe igualdade e opera mediante um processo de argumentação. Onde se utilizam argumentos, a autoridade é colocada em suspenso. Contra a ordem igualitária da persuasão ergue-se a ordem autoritária, que é sempre hierárquica. Se a autoridade deve ser definida de alguma forma, deve sê-lo, então, tanto em contraposição à coerção pela força como à persuasão através de argumentos (A relação autoritária entre o que manda e o que obedece não se assenta nem na razão comum nem no poder do que manda; o que eles possuem em comum é a própria hierarquia, cujo direito e legitimidade ambos reconhecem e na qual ambos têm seu lugar estável predeterminado). Esse ponto é de importância histórica; um dos aspectos de nosso conceito de autoridade é de origem platônica, e quando Platão começou a considerar a introdução da autoridade no trato dos assuntos públicos na polis, sabia que estava buscando uma alternativa pra a maneira grega usual de manejar os assuntos domésticos, que era a persuasão (péithein), assim como para o modo comum de tratar os negócios estrangeiros, que era a força e a violência (bía).

Historicamente, podemos dizer que a perda da autoridade é meramente a fase final, embora decisiva, de um processo que durante séculos solapou basicamente a religião e a tradição. Dentre a tradição, a religião e a autoridade – cujas interconexões discutiremos mais tarde –, a autoridade se mostrou o elemento mais estável. Com a perda da autoridade, contudo, a dúvida geral da época moderna invadiu também o domínio político, no qual as coisas assumem não apenas uma expressão mais radical como se tornam investidas de uma realidade peculiar ao domínio político. O que fora talvez até hoje de significação espiritual apenas para uns poucos se tornou preocupação geral. Somente agora, por assim dizer após o fato, a perda da tradição e da religião se tornaram acontecimentos políticos de primeira ordem.

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QUE É AUTORIDADE? Entre o Passado e o Futuro / Hannah Arendt ; tradução Mauro W. Barbosa. São Paulo Perspectiva, 2016.

22 de julho de 2019


Bolsonaro era pra ser nossa piada e nunca nosso presidente. Alguém formulou essa frase outro dia. Mas é importante lembrar que muito do que as hordas enlouquecidas buscam no bolsonarismo é divertimento. Divertimento misógino, racista, gordofóbico, xenófobo, mas ainda divertimento. Minha geração cresceu com o paradigma de humor dos ingleses do Monty Python. Gente mais velha tinha, por exemplo, o Peter Sellers. A molecada bolsomínia vem do Pânico na TV. Bizarrices do tipo 'Pavão Mysteriozo' ou o 'manual de como cometer crimes' do Intercept mostrado pelo site Agora Paraná são exatamente o que parecem ser: trollagem. Quisera que o desgoverno e suas massas se limitassem a isso. Não. Ao mesmo tempo e em profunda sinergia desmontam tijolo por tijolo num desenho lógico a Democracia brasileira, frágil por natureza. Constroem nossa sólida ruína. Dentro dela, entremeada pelo riso programado da claque, desenrola-se a nada divina comédia brasileira.

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Thursday, July 20, 2023

21 de julho de 2014

Pelos posts no Facebook fico sabendo que o Fantástico bateu um prego a mais no caixão dos ativistas presos no Rio de Janeiro, condenando-os por antecipação.

Descontado o sensacionalismo nosso de cada domingo à noite, a situação dos 23 certamente não é das melhores. Já não angariam a simpatia de quase ninguém. Estão por conta própria.

Cenário muito diferente do dia 17 de junho de 2013 quando São Paulo botou nas ruas um milhão de pessoas e deu início à série aparentemente infindável de passeatas que se estende até hoje pelo país inteiro.

Havia naquele ajuntamento que partiu do Largo da Batata um claro repúdio aos excessos cometidos pela PM contra manifestantes e uma valorização inequívoca do direito de protestar.

Mais ou menos como se uma parte significativa da população tivesse "tomado uma atitude", estávamos ali, antes de mais nada, como parceiros dos jovens que resolveram dar a cara a tapa na briga contra o aumento do ônibus. Queríamos apoiá-los e defendê-los.

Um ano depois, no entanto, a opinião pública repudia explicitamente - há meses - o reiterado vandalismo que se tornou a marca registrada das manifestações, esvaziou-as de sentido e culminou na morte do cinegrafista Santiago Andrade.

Diante da prisão de Sininho e agregados, a sociedade reage como quem, dessa vez, tomasse não uma, mas duas atitudes: caga e anda.

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20 de julho de 2016



'ERRAMOS' É PARA OS FRACOS. O DATAFOLHA AGORA VAI DE 'FRAUDAMOS'

"Mas o Otavinho que mandou", justifica o instituto

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Diante das evidências, o Datafolha capitulou e admitiu ter cometido uma "imprecisão" na pesquisa divulgada no último domingo.

A partir das análises dos sites Brasil 247 e The Intercept, a gerente do Datafolha Luciana Schong reconheceu que é "enganoso afirmar que 3% dos brasileiros querem novas eleições já que os entrevistados não foram questionados sobre isso". Schong também admitiu que declarar que 50% dos brasileiros querem Temer é uma imprecisão se não for esclarecido que a questão limitou as alternativas a apenas duas: Dilma X Temer.

Luciana Schong afirma que as perguntas foram determinadas pela Folha.

Mais do que simplesmente indicar a fraude, a reportagem do The Intercept também diz que os meios de comunicação brasileiros representam uma ameaça à democracia e à liberdade de expressão, ao incitar golpes e manipular informações para que eles se consolidem.

fontes: Brasil 247, DCM e The Intercept

Link para o artigo de Glenn Greenwald em português:


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20 de julho de 2016

A última tortura explícita de números em pesquisa que eu me lembro, foi nas eleições, quando um instituto do Paraná botou o Aécio lá nas alturas, mas tudo indicava que não era verdade, por isso, ninguém acreditou.

A pergunta é: esses caras estão matando cachorro a grito? O Datafolha "Temer é o preferido para METADE dos brasileiros" tem pé, rabo, pescoço e orelha de fraude. A quem diabos o Otavinho queria enganar?

A outra pulga atrás da orelha, porém, é que, no frigir dos ovos, 50% dos entrevistados, se tivessem que escolher exclusivamente entre Dilma e Temer, prefeririam Temer.

Esta não é uma boa notícia. Não adianta fingir, nem mentir pra si mesmo, como aquele velho bolero dizia. Em compensação, tampouco é uma nova notícia.

Dilma não foi eleita com ampla margem. E a reeleição foi um quase empate. Praticamente todas as pesquisas desde outubro de 2014 apontam meio Brasil contra Dilma. É sobre essa verdade-em-termos que as sucessivas fraudes tomam corpo. Afinal, um a cada dois brasileiros, não quer Dilma Rousseff como presidente.

Se a gente dormir nesse barulho, porém, estará consumado o tão propalado Golpe de Estado. Presidentes impopulares eleitos legitimamente só podem ser apeados do poder mediante comprovação de crime de responsabilidade, ou por eleições previstas em calendário. Fora disso é uma afronta à República. Inadmissível, portanto.

Tudo muda o tempo todo no mundo, mas nada mudou desde o momento em que o candidato derrotado Aécio Neves resolveu tocar fogo no barco. Dia após dia reafirma-se a improcedência do impeachment: Dilma sobrevive aos ataques contra sua probidade. A popularidade de Dilma, altíssima um dia, jamais se recuperou após os eventos de 2013. A estratégia de cerco e destruição via mídia, por sua vez, não tem prazo para acabar.

Mais que nunca são os ideais republicanos a única tábua de salvação disponível nessa ressaca.

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20 de julho de 2017

Na falta do que dizer, no Facebook, desabafa-se. Abafado, segundo o dicionário, é o mesmo, entre outros, que 'fechado', 'sufocante', 'irrespirável'. Um método para 'arejar' em situações limite é abrir um pequeno orifício. Como no caso das terríveis traqueostomias. Ou do inútil 'papo furado'.

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20 de julho de 2018

O assunto do dia é o acordo entre Alckmin e o 'Centrão'. Muitos minutos de TV, muito apoio Brasil afora. Muita grana na campanha. Tudo o que dizem ser fundamental para disputar as eleições de outubro. 'Centrão' é o nome da moda para o 'pemedebismo' cunhado por Marcos Nobre, ou 'partido do interior', na categorização que fez o André Singer. São, sob qualquer nome, os fisiológicos, os herdeiros do mandonismo brasileiro velho de guerra. São eles que controlam o Congresso. São eles que fazem chantagem nas votações. São eles que têm grande parte da máquina pública em todas as regiões. De alguma forma eles acabam sendo o espelho do centro do espectro ideológico do eleitorado brasileiro. Mole. Plástico. Movediço. Lula e Dilma se elegeram puxando pra si o centro e estabelecendo equilíbrio precário com o 'Centrão'. O PSDB do golpe mandou às favas todos os escrúpulos. Abraça o 'Centrão' na condição de semelhante, de brother in arms. A tarefa da esquerda será muito árdua. A perseguição a Lula não cede. O desdém pela ordem democrática é digno das repúblicas de bananas da primeira metade do século XX. É um tempo obscuro. Retrocesso muito profundo pela frente. Tempo obscuro.

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Tuesday, July 18, 2023

18 de julho de 2015


O BARBECUENHA

E assim, sem que ninguém realmente esperasse, o temido vilão Eduardo "o meu eu preciso rapidamente" Cunha convocou coletiva de imprensa, falou grosso, atacou o Governo e... ateou fogo às vestes.

Ninguém, salvo o Solidariedade, se solidarizou.

Na pira erguida em torno de si mesmo, Cunha pôs para assar o discurso carne-de-vaca da Direita contra a corrupção e ainda mandou brasa na gasolina vazada diariamente pela Lava Jato. Não precisou dizer mais que o óbvio: "O fato de a pessoa ser denunciada não significa que é culpada" e "Sérgio Moro se acha dono do país".

É comum encontrar na internet entusiastas do self service maluco gerenciado por Eduardo Cunha no Congresso. A cada espeto goela abaixo do Governo, as redes sociais festejam: MITOU!

Cunha, na solidão em que se meteu - agora está claro - não passou nunca disso mesmo: um mito. Encenação. Impostura.

Retornado ao pó de onde veio, é improvável que renasça das cinzas. Paulo Maluf, Antônio Carlos Magalhães, Orestes Quércia jamais retornaram. Ocupam (ocuparam) a categoria de mortos-vivos da cena política, como o Fernando Brito do Tijolaço explicou.

O pronunciamento em cadeia nacional foi apenas a sobremesa do convescote que as forças progressistas curtiram ontem ao longo de todo o dia. Gravado com antecedência, mostrou, pontualmente às 20:25, um político desabituado ao teleprompter, sem nada relevante para dizer e, o mais marcante, com voz de menino.

Um churrasquinho de gato.

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18 de julho de 2016

Luiz Inácio da Silva incorporou o modo como o Brasil se dirige a ele e passou a ser Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula.

Nosso presidente em exorcismo, Michel Miguel Elias Temer Lulia, foi aconselhado a fazer o mesmo: Michel Miguel Elias Fora Temer Lulia, o Fora.

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18 de julho de 2016


CARTA DE INTENÇÕES

O impeachment entrou na reta final. A votação no Senado está prevista para daqui um mês, pouco mais, pouco menos.

Nas redes, espaço que temos disponível 24 por 7, a conversa insiste em girar em torno da busca pelos culpados por uma eventual vitória do golpe.

Eu tenho três culpados a apresentar: Aécio Neves, Eduardo Cunha e Michel Temer. Posso também apontar cúmplices, os camisas da Nike verdes e amarelas. E ainda os mandantes: plutocracia e mídia.

Aos movimentos sociais, congressistas da ala democrática, juventude estudantil, militância organizada e, principalmente à presidenta Dilma e ao nosso eterno líder popular, Luiz Inácio Lula da Silva, só tenho a dar parabéns. Nada do que possam ter errado justifica o cerco e destruição que o país assistiu de outubro de 2014 a abril de 2016.

Aos isentões dedico meu mais profundo desprezo.

Eu, emparedado pelos limites estreitos que a condição de esquerdista de entretenimento do Facebook me impõe, desejo encontrar maneiras de contribuir com a derrota desse plano maléfico de retomada do poder por vias não democráticas.

E pretendo me afastar de tudo que não aponte para o alvo.

O canal que disponho não é outro. Apenas este. Sei que de cartas de intenções o Inferno está cheio. Mas é tudo o que tenho pra hoje.

P.S. Quando tiver passeata, me chama que eu vou.

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18 de julho de 2022

De fato, como alguns vídeos estão mostrando, Bolsonaro não teve "zero aplauso" no final do encontro com os embaixadores. Eu contei. Foram 32. Dá pra ouvir 32 estalos de mãos, os 32 estalos de mãos mais sem ânimo de toda a História da Diplomacia brasileira. Impossível dizer que foi protocolar. Foi muito menos que isso. Foi um vácuo. Um 'puta que o pariu, que que eu vim fazer nessa porra desse palácio?' em vários idiomas. Mano, 'salva de palmas' que você consegue 'contar' as palmas é muito deprê. Aliás, é só olhar pra cara de rato molhado que o Mijair faz na hora. É mico. Do legítimo! E não teve pergunta!!! Ninguém quis esticar aquela tortura nem um segundo sequer. Hoje foi o dia que o pessoal das embaixadas deve ter sentido saudades do Ernesto Araújo.

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Sunday, July 16, 2023

16 de julho de 2015


É SÓ UM JEITO DE CORPO

Vira e mexe tem gente dizendo que no Facebook as pessoas apresentam problemas com a compreensão de textos. Escreve-se uma coisa, se entende outra, para daí passar a discutir o que não foi dito...

É verdade.

Mas tem também uma questão correlata, bastante séria, que é a falta de traquejo para a leitura de imagens e imagens jorram sem parar aqui na rede, talvez mais que textos.

Na foto com Xandy e Carla Perez no camarim de Montreux, Caetano aparece de cuecas e meia social porque, ou estava para colocar o figurino do show, ou havia acabado de tirá-lo. Pela falta de suor nos cabelos, é quase certa a primeira hipótese.

O camarim, não custa lembrar, é o vestiário dos artistas. 'Flagrar' alguém sem roupa ali é, mais que previsível, quase inevitável. Trata-se, portanto, de um retrato íntimo, mas corriqueiro, do cantor e seus amigos que apareceram de surpresa e que a esposa jogou no ar, aliás, como todos fazemos o tempo inteiro.

Há quem tenha reprovado a underwear 'publicada'. Bem, não existe aí qualquer novidade também: desde sempre os tropicalistas exibem seus corpos. A lista de 'nudes' que os baianos já mandaram não tem fim. Com isso, não se pode negar, contribuíram para a liberação crescente dos costumes no Brasil ao longo dos últimos 45 anos. Em plena segunda década do segundo milênio, botar reparo no Caetano de cuecas não é outra coisa, além da mais pura caretice.

O corpo envelhecido de 'painho', pança protuberante incluída, que, para um homem de 70 anos, só merece elogios, foi tema do ensaio fotográfico de seu último disco, Abraçaço, e lá aparece envolto por inúmeros braços jovens. Pode ser que tenha gente constrangida com isso, mas ele se incluiu fora dessa lista, de caso pensado.

Por fim, as pretensas más companhias. Para essa polêmica Caetano já deu resposta há muitos e muitos anos: "Não há nada mais Z do que um público Classe A".

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Wednesday, July 12, 2023

12 de julho de 2016


O quiproquó do apoio ao DEM para eleger o sucessor de Eduardo Cunha na Câmara pode ser indicativo de algo que transcende a ansiedade pré-histérica da militância petista e o proverbial oportunismo do PSOL: o tempo da coalizão, simplesmente, acabou. Não há, na Esquerda, outro futuro a não ser um candidato "que não votou no Golpe".

Deixa eu dizer um lance aqui. Desconfio que não conheço alguém mais favorável que eu aos acordos, pragmatismos e idas e vindas do período lulodilmista. Realpolitik? Não tenho nada contra. Pode conferir nos meus posts dos últimos três anos. Mas já não é mais disso que se trata.

Porque aconteceu de irmos longe demais no enfrentamento. E não me refiro a urgências de "refundação" do Partido dos Trabalhadores, essa rematada tolice. O ano e meio passadas as eleições de 2014 está sendo devastador. Nem é muito complicado. O Congresso Nacional apenas derreteu. Fim da linha. Sem retorno.

Se Dilma vencer no Senado, o que é perfeitamente possível, a despeito da bola de cristal viciada dos analistas pessimistas*, dá no mesmo. E também, aqui, não está em jogo a hipótese 'Erundininha Toda Pura', chanchada vintage de mau gosto. Claro que haverá de haver composição pluripartidária! O que não tem jeito de juntar de novo são os trapos do peemedebismo e do lulismo.
 
E não, não foi o coração valente da Dilma que nos levou a isso. Nem a outra Dilma, a Dilma execrada pelos engenheiros de obras prontas, aquela gerentona incompetente que odeia a política. A culpa é toda do tal do "devir histórico". A Direita é tão ou mais responsável pelo presente estado de coisas. Por ter partido pro "é agora ou nunca". Por parecer uma locomotiva sem maquinista de filme de guerra, puxando quinhentos vagões em direção à ponte dinamitada.

A Direita ameaçou a Democracia de morte. Este ato de negação principial acelerou a decomposição já inexorável. O buraco é mais embaixo. Essa encrenca vem de longe.

A Democracia, porém, é inegociável. Ou não é Democracia. O impeachment como Golpe é inadmissível. E o que não se admite, não pode ser admitido.

Nem acho que estamos preparados para tanto. É bem capaz de dar merda, reconhecer a possibilidade não tem nada que ver com pessimismo. Não está no âmbito da Ética, da Retórica, tampouco da Estética e nem mesmo da Política. É do campo da Lógica. Tem momentos que o jogo se define. Tem horas que a fila anda. E a fila andou.

* Oxímoro à vista: ou é analista, ou é pessimista. Ou é analista ou é otimista. Pelamôr! :p

👀

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12 de julho de 2020

Crianças só vivem felizes e sem limites no imaginário de adultos perversos. A infância é período de experiências de sofrimento q se conservam por toda vida. Um tempo de completa fragilidade. Acrescentar dor à Educação de meninos e meninas só pode corresponder ao gozo de quem se nega ao cuidado. Cuidar das crianças e do mundo em q elas são inseridas é um enorme desafio. Protegê-las. O desamparo mata, literal e simbolicamente, a criança. Claro q o lobo em pele de ministrinho representa mais uma ameaça q Bolsonaro encontrou para compor a matilha do desgoverno. Veio para devorar. Tal e qual. É urgente caçá-lo. Sem dó.

*

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Sunday, July 09, 2023

Semana de 22 ainda diz muito sobre a grandeza e a barbárie do Brasil de hoje


JOSÉ MIGUEL WISNIK

12 de fevereiro de 2022

*

A Semana de Arte Moderna é, hoje, uma pauta cultural e midiática que rememora a eclosão de cenas de modernismo explícito em fevereiro de 1922 no Theatro Municipal de São Paulo. Neste domingo (13), a inauguração da Semana completa cem anos.

A cidade explodia na condição de polo do comércio mundial do café, passando em ritmo acelerado de província à miragem da metrópole ("risco de aeroplano entre Mogi e Paris", diz um verso irônico de Mário de Andrade na Pauliceia Desvairada).

Nela, o peso tradicional das oligarquias contracenava com a presença de multidões, de imigrantes de variada proveniência e de movimentos operários incipientes mas já organizados, como se viu na greve geral de 1917, cujo impacto paralisou a cidade por vários dias.

A frenética expansão urbana se dava a reboque dos interesses privados, sem projeto que não fosse o da aliança do monopólio dos serviços de transporte, de água, de gás e de luz (controlados pela Light) com a especulação imobiliária. O pai de Oswald de Andrade, por exemplo, ficou mais rico do que já era loteando o bairro de Cerqueira César, enorme extensão entre a avenida Doutor Arnaldo e o largo da Batata.

O escritor, contudo, virará muitas vezes do avesso as marcas dessa origem, com seu "fundamental anarquismo" e suas espetaculares traições de classe, o que faz de sua figura, literariamente transfigurada em Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e em Serafim Ponte Grande (1933), uma espécie de Brás Cubas não póstumo, ativo e autoparódico, exibindo descaradamente em vida o descaramento de seus pares, com brilho sarcástico e fulminante.

A seu modo, a biografia de Oswald já é ela mesma um índice da história do crescimento anômalo de São Paulo e a perfeita tradução da cidade como "avesso do avesso", condição que ele levou a dimensões insuspeitadas e extraordinariamente fecundas.

O antropólogo Claude Lévi-Strauss, que foi professor da USP nos seus inícios, nos anos 1930, disse mais tarde que a metrópole dos tristes trópicos ostentava uma vida intelectual novidadeira até o limite da inconsequência mas, no extremo, surpreendente; que ladeava arranha-céus com terrenos baldios e quase selvagens; e que a metamorfose indômita que nela se vivia contribuiu mais, em poucos anos, para a sua própria chegada ao pensamento estruturalista que a longa convivência com as seculares e sedimentadas cidades europeias.

São Paulo era, na verdade, um acontecimento urbano e humano em que se insinuavam alguns aspectos da vida mental das metrópoles industriais, quando a sensibilidade é exposta, em modo de aceleração, à eletricidade dos estímulos, à exaltação e ao trauma.

Porém, tudo isso na periferia do capitalismo ("galicismo a berrar nos desertos da América", outro verso da "Pauliceia") e em atrito com o marasmo dos hábitos arraigados de uma cidade que tinha cerca de 20 mil habitantes em 1872, 60 mil em 1890, quase 600 mil em 1922 e 1 milhão em 1930. A curva demográfica fala por si só do tamanho do empuxo e do quanto o fenômeno paulista era diferente do Rio. São Paulo era uma onda em processo de arrebentação.

Uma cidade que deixava de ser provinciana sem chegar a ser cosmopolita, à força de suas próprias contradições gritantes, que a abismavam entre o passado conservador estreito da província, limitado e ancorado nas suas oligarquias e nos seus hábitos morigerados, e um futuro galopante e irrefreável que se abria concretamente a uma nova complexidade da sociedade e da cultura, na base da fricção e do choque.

"Não era moderna, mas já não tinha mais passado", diz Nicolau Sevcenko em Orfeu Extático na Metrópole: São Paulo, Sociedade e Cultura nos Frementes Anos 20. Brotava "como um colossal cogumelo depois da chuva" e como um enigma devorador "para seus próprios habitantes".

Não à toa, o modernismo paulista vocalizou pela primeira vez no Brasil, de maneira programática, com alarde exibicionista e provocador, questões então candentes como a quebra dos tabus estéticos da representação realista da natureza, da linearidade sintática, da poesia metrificada, da consonância tonal em música — rupturas que marcariam a linguagem artística do século 20.

Anunciava com estrépito, embora as obras daquele momento em geral não acompanhassem o tamanho do espalhafato, uma arte não linear, não naturalista, não aprazível e liberadora de novas potências. Na Pauliceia Desvairada, escrita em 1921 e publicada no ano da Semana, Mário de Andrade praticou e teorizou, como ninguém até então, uma poesia simultaneísta, que ele associou com excepcional agudeza ao harmonismo e ao polifonismo em música.

A Semana poderia perfeitamente ter se resumido a um episódio datado, um arroubo curioso e sintomático em um momento localizado de transformações urbanas, mas acontece que dela participaram três dos maiores artistas brasileiros do século — Mário, Oswald e Villa-Lobos —, cujas obras terão desdobramentos e consequências fundamentais, aprofundando as promessas do movimento com o imponderável de suas criações singulares. Queiram ou não, a Semana foi uma conjugação artística de São Paulo e Rio.

Muita água rolou depois desses primeiros embates, e o arco das questões do movimento modernista ampliou-se, dos anos 1920 aos 1940, abrindo-se às interpretações do Brasil, à pesquisa e ao engajamento social, ao mesmo tempo que se abriam suas rachaduras internas e suas fraturas políticas.

Na conferência de 1942 (O Movimento Modernista), pronunciada no Rio, quando avaliava criticamente a Semana 20 anos depois, Mário deixa explícito que foi a oligarquia cafeeira quatrocentona — de corte aristocrático e já decadente, por isso mesmo disponível, na figura do empresário intelectual Paulo Prado — que deu suporte material ao movimento, desejando acertar passo com a modernidade da Segunda Revolução Industrial, por um lado, e confrontando a burguesia do dinheiro pelo dinheiro, por outro (o "burguês burguês", "a digestão bem feita de São Paulo", conforme a "Pauliceia").

Mário esboçava então uma análise das bases de classe do movimento e criticava o alheamento das responsabilidades sociais e políticas que marcou, segundo ele, a "orgia intelectual" dos anos 1920. Muita crítica que se tenta fazer hoje ao modernismo já está feita ali com mais lucidez. Mário, no entanto, a fazia não porque negasse o modernismo, mas porque afirmava em âmbito nacional o seu vetor construtivo, as conquistas da cultura moderna brasileira, "o direito permanente à pesquisa estética", a "atualização da inteligência artística" e a estabilização de suas instituições, sempre penosamente sustentada.

Em outras palavras, o que ele defendia naquele momento eram os pilares daquilo que hoje está sob o ataque atroz do bolsonarismo, com a sua corrosão antimoderna dos valores intelectuais e dos símbolos artísticos acumulados durante esses cem anos e com sua política de desmantelamento das instituições culturais.

Restrita em grande parte, na sua época, aos contornos paulistas, com o tempo a Semana tornou-se uma referência histórica, uma data reverencial e um mito de origem, consolidando-se depois como marco da vida brasileira no século 20.

Profanação do templo da cultura burguesa tradicional sem deixar de ser uma cerimônia de elite, autopublicitária já na origem, como costumavam ser as manifestações da vanguarda artística europeia que ela emulava, sem imitá-las à risca, a Semana recebeu na altura dos seus 50 anos (1972) outras camadas de consagração institucional que incitam, por sua vez, ao desmanche de sua mitologia.

O que resulta na mistura confusa, que temos no ar, hoje, de profanação datada com consagração da profanação e profanação da consagração. Nenhum desses formatos corresponde propriamente a uma reavaliação crítica capaz de identificar as potências e os limites do movimento segundo as perspectivas atuais.

Avaliação crítica não se confunde, por exemplo, com sanha diminuidora pautada pela querela localista, com "petite histoire" dos bastidores e com a manipulação arbitrária do anedotário, tudo baseado em uma visão rasa da literatura que jamais enfrenta as obras. Ruy Castro põe aquelas comemorações oficialescas do cinquentenário da Semana, em tempos de ditadura, na conta de Mário e Oswald, como se isso comprovasse uma vocação originária do movimento modernista para a direita.

Porém, o que havia de apropriação oficial e mumificante do ideário da Semana, em 1972, vinha justamente da articulação de remanescentes ligados às correntes ufanistas do verdamarelismo e da anta, isto é, Menotti del Picchia (que odiava Oswald, visceralmente) e Cassiano Ricardo, ainda vivos àquela altura e vendo na ocasião política uma oportunidade para recuperar o prestígio que a obra deles nunca teve.

Os artistas de oposição, os que não só lutavam contra a ditadura mas estavam fazendo obras seminais para a iluminação crítica e criadora do período, estavam encenando O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, como Zé Celso no Oficina em 1967, filmando e encenando Macunaíma, de Mário de Andrade, como Joaquim Pedro de Andrade em 1969 e Antunes Filho em 1978. Ou Julio Bressane, mais tarde, fazendo em Tabu (1982) um contraponto entre Oswald e Lamartine Babo.

Outros intelectuais e pesquisadores difundiam o modernismo dentro dos meios institucionais possíveis e dentro de uma perspectiva crítica resistente e antiautoritária. A exposição internacional promovida pelo Ministério das Relações Exteriores, que Ruy Castro cita como exemplo de franca cooptação, trazia à frente a frase "Toda canção de liberdade vem do cárcere", extraída do 'Prefácio interessantíssimo' à Pauliceia Desvairada.

O movimento modernista só poderia ter irrompido em São Paulo, pelas especificidades locais já apontadas, mas desenvolveu variantes virais poderosas em outros lugares, por contágio e irradiações recíprocas, como se vê nos livros de Manuel Bandeira, Drummond e Murilo Mendes lançados em 1930.

Os penetrantes retratos de Oswald e de Mário traçados por Pedro Nava em Beira-mar relembram o momento em que os paulistas chegavam a Belo Horizonte em 1924. O poema de Carlos Drummond de Andrade, No Meio do Caminho ("no meio do caminho tinha uma pedra"), que vale por um movimento inteiro em dez versos, sendo já a compactação madura do modernismo, também foi alvo de intensa profanação e consagração cruzadas.

Talvez porque o Brasil, "condenado ao moderno" (segundo a famosa frase de Mário Pedrosa) sem nunca chegar a sê-lo, agarre-se ao fetiche de uma imagem que nunca atinge e nunca supera, do mesmo modo como acontece com a Semana, reivindicada por campos ideológicos opostos, cultuada e apedrejada, sintoma e ídolo polêmico, pauta jornalística que retorna e repete "ad infinitum" as mesmas perguntas.

Quando Mário morreu em 1945, Drummond escreveu uma elegia ('Mário de Andrade desce aos infernos', em A Rosa do Povo) que é, além de um depoimento afetivo profundo, o reconhecimento de que o poeta da rua Lopes Chaves encarnava a entidade Brasil e tinha se tornado um ponto crucial de ligação entre as muitas dimensões simbólicas do país.

Quem o ler há de ver que a importância nacional de Mário de Andrade não é uma invenção fraudulenta da USP nos anos 1960 e 1970 (como defende Luís Augusto Fischer), mas tinha entrado na corrente sanguínea da cultura desde muito tempo.

As obras dos autores modernistas fortes se irradiaram participando vivamente do caldo de uma cultura brasileira cujo índice inicial ficou sendo retroativamente a Semana. Mito de origem inventado a posteriori, certamente, como todos esses marcos históricos, mas que "colou" como sintoma e como promessa das possibilidades do país no século 20. Acompanhar essa irradiação diz muito mais do que a volta aos "fatos" e fofocas feita na base da marcha a ré apequenante.

De Di Cavalcanti e Anita a Tarsila, Brecheret, Cícero Dias, Portinari, ela ressoa nos artistas visuais que redesenharam a face do país. Sérgio Buarque de Hollanda faz parte disso no campo do pensamento.

A obra do carioca Heitor Villa-Lobos, cuja presença em 1922 foi marcante e definidora (Fischer o omite em seu artigo sobre o modernismo nesta "Ilustríssima" para não embaraçar a tese monocórdica do paulistismo estrito do movimento), está profundamente presente em três artistas tão poderosos quanto diferentes: Tom Jobim, Glauber Rocha e Zé Celso; a música popular, o cinema e o teatro; Rio, Bahia e São Paulo.

Villa era o ídolo musical e o modelo de Tom, que dialoga expressamente com ele no disco Matita Perê (1973). Mesmo tendo sido o braço musical e pedagógico da política de massas do Estado Novo, com o programa do canto orfeônico, Villa-Lobos foi parar com toda a força no cinema do subdesenvolvimento de Glauber Rocha, irrigando sonoramente Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e Terra em Transe (1967), inconcebíveis sem ele.

Zé Celso concebeu o estraçalhamento de Penteu nas Bacantes de Eurípedes com base no extasiante coro do Choros n. 10, conhecido como 'Rasga o Coração', cujos meandros polifônicos são sustentados por todo o elenco em um verdadeiro "tour de force".

No mesmo movimento, resgata as palavras de Catulo da Paixão Cearense sobre música de Anacleto de Medeiros, que Villa-Lobos tinha tomado como referência na parte coral-sinfônica da obra, e rasga o coração da nossa dor mergulhando-a na "prismatização da luz solar" que vem da música brasileira.

Volto então a Oswald, para esclarecer um ponto crucial e urgente. Ao procurar chocar admiradores mais ingênuos de Oswald e Mário trazendo à tona facetas menos conhecidas dos dois autores em sua juventude, Ruy Castro transcreveu em sua coluna nesta Folha trechos de um artigo racista do jovem Oswald sobre o pugilista negro Jack Johnson.

O texto, que saiu em O Pirralho na altura de 1914, cerca de oito anos antes da Semana, é certamente um atestado da origem de classe do escritor e um comprovante dos estereótipos violentos que circulavam livremente entre os pares burgueses, naturalizando a estigmatização do negro e expressando, de quebra, o ressentimento diante de um homem preto e vencedor. O interesse histórico do documento só se completa, no entanto, quando posto em perspectiva.

Em 1937, Oswald foi convidado pela Frente Negra Brasileira a discursar em uma cerimônia de homenagem a Castro Alves, que se realizou no Theatro Municipal. Apenas dois outros brancos, além dele, foram chamados ao palco.

Em seu discurso — feito no tom solene que a circunstância exigia e na dicção de um tribuno das arcadas da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que ele também era —, Oswald invoca Zumbi dos Palmares e afirma que os negros "são a vanguarda dos que pedem a justiça social". Concita a uma aliança afro-indígena com os "humilhados dos três continentes", "irmanados pela má alimentação e pela péssima moradia, pela doença e pela falta de escola" — "brancos, amarelos e índios" organizando-se "sob as bandeiras heterogêneas mas unidas da democracia".

Ressalta que cabe aos negros o protagonismo nessa luta, pois são eles que vieram do fundo tenebroso do navio negreiro e que fazem parte da "população mesclada do outro navio de escravos" que é a própria sociedade brasileira, na qual arcam com "as fornalhas do trabalho e os duros serviços da tripulação".

Suas marcas de nobreza, arrancadas "do tronco infame, das cadeias e do chicote", dão à população negra, diz ele, "direitos enormes". Em suma, afirmação da dimensão racial da luta política.

Oswald relata ainda que a Frente Negra Brasileira, "uma das mais belas organizações sociais que tivemos", era perseguida e agredida impunemente pelos "roncos" e "ameaças" dos "camisas-verdes" integralistas que, na ocasião, tomaram metade do teatro, fardados, tentando sabotar o ato.

O discurso, proferido entre vivas e vaias, constitui, segundo Oswald, "uma das maiores alegrias de [sua] vida de lutador". Naquele momento, diz ter se sentido, como nunca antes, em um lugar para além "dos salões futuristas de 22".

Toca-me profundamente que a imagem do navio negreiro, no discurso da Frente Negra Brasileira, lembre um trecho de O Santeiro do Mangue, peça teatral que Oswald escrevia nessa época e que o Teatro Oficina encenou com o nome de Mistérios Gozozos.

A canção Coração do Mar, que eu musiquei sobre palavras dele, faz parte dessa peça sobre a zona do mangue no Rio de Janeiro. Elza Soares a escolheu em 2015 para abrir o álbum A Mulher do Fim do Mundo, desembocando no refrão "É o navio humano quente/ Negreiro do Mangue", que ela fez questão de cantar à capela, ostentando na voz a dor, a nudez e a força das palavras. Palavras às quais Zé Celso tinha já acrescentado, em consonância com o original: "É o navio humano quente/ Guerreiro do Mangue".

Elza não teve qualquer dificuldade para entender imediatamente a dimensão profunda dessas canções oswaldianas, ela que é a expressão total da antropofagia popular tal como Oswald a define, capaz de absorver diferentes estilos e fundi-los com amor e humor, como faz com o Mambo da Cantareira, interpretado como se fosse uma peça de flamenco ("Elza Soares & João de Aquino"), ou Fadas, de Luiz Melodia, como se fosse Astor Piazzola ('Do Cóccix até o Pescoço').

Gravou Flores Horizontais, expressão da voz da mulher prostituída e violentada, também sobre texto de Mistérios Gozozos, rasgando a voz e o coração, e me contou que seu refrão ("Com Deus me deito / Com Deus me levanto") era uma oração íntima dos negros pobres no Brasil, que ela rezava com o pai antes de dormir.

Em suma, se você aperta Oswald de um lado, ele cresce de outro. Morreu no ostracismo em 1954, mas foi reconhecido em alto nível pelo grupo da poesia concreta e pelos músicos-poetas tropicalistas por sua poesia, seus manifestos, seus romances (o par "Miramar"/"Serafim") e seus escritos filosóficos tardios, nos quais se combinam de modo próprio Nietzsche, Freud, Marx e o pensamento selvagem.

Haroldo de Campos identificou na sua poesia a radicalidade da linguagem ligada ao "ready made", à visualidade e à síntese. Roberto Schwarz a relacionou com o "potencial materialista e rebelde da obviedade bem escolhida" que "se encontra na poética de Brecht", como já tinha sido lembrado por Haroldo, fazendo uma análise aguda do seu sentido crítico, de seus ambivalentes vínculos com a oligarquia cafeeira, e reconhecendo-a dialeticamente como "um dos momentos altos da literatura brasileira".

Recentemente, a antropologia de Eduardo Viveiros de Castro destacou a sua intuição surpreendente do perspectivismo ameríndio. Oswald identificou a crise da posição patriarcal no mundo contemporâneo e augurou a utopia de uma vida humana sem finalidade mercantil, à altura do seu destino e "à espera serena" da devoração do planeta pelo imperativo cósmico, sem precipitá-la em nome do lucro e sem abdicar da alegria (como Ailton Krenak).

Oswald é discutível, polêmico, anárquico e incorreto até a medula, mas a crítica não tem como negar-lhe as dimensões da grandeza e da complexidade. O negacionismo de Ruy Castro faz par com o de Lobão, quando este malha Oswald e emula Olavo de Carvalho em seu livro Manifesto do Nada na Terra do Nunca (com mais conhecimento de causa, aliás, e mais envolvimento na leitura do texto, mesmo que completamente equivocado, do que as avaliações puramente externas de Ruy).

Para mim, o que há de mais significativo, hoje, sobre o acontecimento em si da Semana de Arte Moderna não está contido nem na cena nem nos bastidores do Municipal, mas no poema final da Pauliceia Desvairada, de Mário de Andrade, que se chama As Enfibraturas do Ipiranga.

É um poema longo, meio descalibrado, escrito ainda em 1921, mas que tem o efeito de uma espécie de antevisão alucinada e sintomática, como só a poesia poderia fazer, dizendo nas linhas e nas entrelinhas aquilo que os programas explícitos não dizem.

Mário figura a população de São Paulo reunida no vale do Anhangabaú para cantar em coro um grande "oratório profano" com acompanhamento sinfônico. Não se trata de um coro unitário, mas de um campo conflagrado de blocos corais que se enfrentam em uma "grita descompassada", acompanhados de uma orquestra agigantada e caótica.

Entrincheirados nos terraços e janelas do Theatro Municipal estão os artistas acadêmicos, parnasianos e beletristas ("orientalismos convencionais") entoando com voz grandiloquente a marcha fúnebre da conservação universal dos costumes e dos padrões estéticos.

Com os pés no fundo do vale, assumindo a própria desafinação e a falta de ensaios, os modernistas ("juvenilidades auriverdes") deblateram uma espécie de "hino à alegria" tropical que faz pensar em uma parada gay "avant la lettre".

Não porque tematize a questão de gênero, mas porque levanta um clamor erótico no sentido mais amplo da palavra — o de Eros como expressão fusional da existência, afirmando a multiplicidade polimorfa do desejo contra o paredão conservador, refratário às linhas mutáveis da vida.

Nas sacadas elegantes do lado oposto do vale, a burguesia endinheirada ("senectudes tremulinas") exibe sua posição de privilégio apoiando de maneira caricata o bloco conservador.

Postados no viaduto do Chá, trabalhadores ("sandapilários indiferentes") assistem ao entrevero burguês e vaiam tanto os "passadistas" como os "futuristas", mais interessados na ópera (tradição importante para a cultura operária italiana) e nos sucessos da nascente música popular urbana, em que despontava o recente Pé de Anjo, de Sinhô.

Colocando-se o embate não dentro, mas fora do teatro, a cidade é vista como aquilo que ela passava a ser: palco social explícito, anfiteatro aberto de choques. Comparecem os grupos que participaram, mas também os que não participavam do acontecimento no Municipal, fazendo parte de uma batalha campal de forças comportamentais e artísticas, encenando suas contradições gritantes.

Enquanto ricaços, apresentados como decrépitos, dão as mãos ao moralismo esteticamente reacionário, o poema não esconde que há entre modernistas e trabalhadores, mais que uma distância, uma fratura. A polêmica estética acontece dentro de um arregaço maior que engolfa classes e grupos sociais em reações díspares e autocontraditórias.

A arte erudita da cultura dominante não rege a sociedade de massas. O café com leite das oligarquias não dá mais conta da escala dos novos embates socioculturais. A própria exaltação modernista namora com a autoaniquilação decadentista.

Sob um regime de polifonia acirrada, a batalha ritual passa por um processo de fricção, fritura e fratura, rompendo-se afinal o tecido esgarçado sem que seja vencido o bloco conservador.

Recobertas pelo manto de uma "enorme vaia de assovios, zurros, patadas", as "juvenilidades auriverdes" morrem como sementes no solo do Anhangabaú, augurando-se sua utópica redenção futura em um tempo mais propício.

Mário passava longe, como se vê, de uma previsão eufórica e triunfante sobre o destino do movimento modernista. Trata-se de uma encenação dramática e francamente problemática da instauração do moderno no Brasil, não só do ponto de vista artístico, mas do ponto de vista social e político, enquanto abertura a uma sociedade complexa e desigual cuja crise Mário pensou sanar depois com o resgate da cultura popular e, mais tarde ainda, com uma agônica adesão à arte engajada.

O poema de 1921 é um índice convulsionado da funda dificuldade de mudança que nele se constata e anuncia. Não deixa de nos soar estranhamente atual a presença de uma agressiva e empedernida ação antimoderna acumpliciada com a casta empresarial, como se já assistíssemos, cem anos antes, à dança de Damares com faria limers.

A face luminosa dessa atualidade encontra-se no emblemático show de Emicida no Theatro Municipal de São Paulo em 2020, que costura a matéria documental e artística do filme AmarElo – É Tudo pra Ontem (disponível na Netflix). O espetáculo é uma assumida profanação (enquanto ocupação do espaço interdito, tomando-o para usufruto dos excluídos), ao mesmo tempo que uma consagração do espaço público destinado a todos.

Emicida dialoga diretamente com a Semana de Arte Moderna, elege uma epígrafe de Mário de Andrade ("nosso modernista favorito"), homenageia a antropofagia oswaldiana ("só o que é do outro me interessa") e mostra o quanto o Theatro Municipal e o vale do Anhangabaú permaneceram ao longo do tempo como o eixo de referência das pulsações culturais da cidade para os invisibilizados e postos à margem.

Resgatando as enfibraturas históricas da negritude em São Paulo, chama a atenção para o fato de o MNU (Movimento Negro Unificado) ter elegido as escadarias frontais do Municipal como espaço de suas manifestações históricas, em 1978, e como as batalhas de ritmo e poesia do movimento hip-hop escolheram o largo São Bento como seu território, homenageando o escravizado-arquiteto Tebas, construtor de igrejas no século 19.

AmarElo resgata, assim, um arco de tempos e espaços contendo múltiplas manifestações políticas e criativas, individuais e coletivas, de modo a construir, a partir das periferias, uma inesperada ponte sobre a fenda, apontando para o Anhangabaú.

Se há algum lugar onde se cumpre o desejo adormecido no sonho convulsionado e inconcluso do poema final da Pauliceia, para além de si mesmo, não é nas frenéticas comemorações da Semana, mas nesse acontecimento.

A força e a fraqueza do grande arco da cultura moderna no Brasil, que vai dos anos 1920 aos 1960, consiste na aliança entre o erudito e o popular com base na mediação da classe média. Esse arco poderoso incluiu a literatura, as artes visuais, a música de concerto e chegou à MPB e ao cinema novo, apontando para um salto social que a ditadura interrompeu.

Acontecimento decisivo no campo cultural mais recente é a emergência de um sujeito periférico que se encarrega das próprias mediações, a começar do Sobrevivendo no Inferno, dos Racionais MC’s, em 1997. Emicida leva adiante essa chama. Sabe das diferenças com os modernistas, mas não abre mão da grandeza inspiradora de quem acrescenta mundos ao mundo.

Oswald de Andrade distinguia a alta e a baixa antropofagia. A alta antropofagia reside basicamente na capacidade de "ser outro" ao reconhecer o outro em si (trata-se de uma operação de rigor que não se confunde com a indiferenciação do consumo onívoro nem com o ato de comer e "vomitar" influências).

Já a baixa antropofagia, ele resumiu, no Manifesto Antropófago, em quatro palavras: inveja, usura, calúnia e assassinato. Não é difícil reconhecer essas forças nefastas no panorama atual, na forma da cultura do ressentimento (inveja), do liberalismo oportunista (usura), das fake news (calúnia) e da necropolítica ostensiva (assassinato).

O assassinato de Moïse Mugenyi Kabagambe é a evidenciação horrenda da baixa antropofagia dada em espetáculo dantesco — a consumação do Brasil como o cu do mundo arreganhado e à mostra. "A mais triste nação/ Na época mais podre/ Compõe-se de [...]/ Grupos de linchadores", diz a canção de Caetano Veloso (O Cu do Mundo).

Por uma ironia cruel, alegórica e quase surrealista, o quiosque em que Moïse foi morto se chama Tropicália. Tropicália, além de nos remeter a Caetano e a Hélio Oiticica, associa-se a Oswald e, em um passo, estamos de volta ao espectro da Semana de Arte Moderna, na encruzilhada entre o século 20 e o 21. (No cu, jaburu)

Trata-se de transformar o horror em totem. Marcar e venerar o lugar de Moïse. Revirar e reexistir. Tornar inadmissível a normalização do inadmissível. Rasgar o coração, banhar a imensidão do nosso penar na prismatização da luz solar.

Em 2022, o Brasil está espremido entre a alta e a baixa antropofagia. Eis a questão.

Como a Semana de 22 virou vanguarda oficial depois de 50 anos esquecida

Edifício Joseph Gire, antiga sede do jornal A Noite.

5.fev.2022

RUY CASTRO

1.

Bem ou mal, tudo se discute no Brasil. Pode-se contestar a imagem nazarena, quase bíblica, de Tiradentes —ninguém sabe direito como ele era. Ou denunciar que, na cena do Ipiranga às margens plácidas, dom Pedro não estava a cavalo, mas num burrico — Pedro Américo, o pintor, quis tornar a coisa mais heroica e marcial. Ou insinuar que o marechal Deodoro, monarquista, não sabia que, ao depor dom Pedro 2º, estava proclamando a República — seus colegas só lhe contaram metade do plano.

Enfim, vale tudo. Menos questionar a Semana de Arte Moderna de 1922. E muito menos neste ano do seu centenário, quando se completará o processo, iniciado há 50 anos, de sua institucionalização.

Não se pode mais duvidar de que a Semana foi o "marco zero" da cultura brasileira. Tudo que aconteceu antes, de Pero Vaz de Caminha a Machado, não passou de um aquecimento para o main event, que foi ela, e dela derivou tudo de moderno que veio depois, da antropofagia à dieta do glúten. Suas bandeiras e conquistas foram decisivas: a Semana enterrou o parnasianismo, liquidou o soneto e desmoralizou os pronomes bem colocados.

É verdade que, exceto por dois ou três textos, não há como garantir o que se disse naquelas noites no Theatro Municipal de São Paulo, mas ali fomos certamente informados da existência do arranha-céu, do automóvel e do avião. Diz-se que a plateia, ofendida, vaiou os participantes —alguns deles, pelo menos.

Foi uma Semana de três noites, mais exatamente uma soirée, uma matinê e outra soirée. Mas suas consequências estão sendo estudadas até hoje. Nenhum outro ágape literário brasileiro a supera em bibliografia. Somente nos últimos meses, o volume de teses, estudos e análises a respeito já pode ser calculado em toneladas —as máquinas das editoras não param de rodar.

Nenhum teve sua história tantas vezes contada e convertida numa grande lenda urbana, a que novos episódios continuam sendo acrescentados, formando um épico em progresso. E nenhum teve a obra de seus luminares tão copiosamente aceita —dela fizeram-se e fazem-se filmes, peças de teatro, shows, discos, performances, documentários, exposições e, mais importante, incontáveis reedições de seus livros.

É verdade que tudo isso só se intensificou de 1972 para cá. Antes não era assim. Durante os primeiros e longos 50 anos a partir de 1922, só os sobreviventes da Semana e os suspeitos de sempre falavam dela. Os aniversários passavam em silêncio e muitos dos seus livros, hoje tão festejados, estavam estacionados nas edições originais, encalhadas nos armários de seus autores. Como seus livros não existiam, não influenciavam ninguém.

Mas as coisas mudaram. Hoje podemos escolher entre incontáveis reedições de cada título —pela capa, pelo prefácio, pelas notas de pé de página, pelas fotos, pelas ilustrações de Tarsila ou Anita. Pena que tais reedições se refiram exclusivamente aos livros de dois autores: Oswald de Andrade e Mário de Andrade.

Por algum motivo, os outros modernistas de primeira hora, homens que ajudaram a pôr a Semana em pé e viveram as vaias e os aplausos no Municipal, foram evaporados da saga. Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Sergio Milliet, Rubens Borba de Moraes e Candido Motta Filho tornaram-se no máximo figurantes e, hoje, se e quando lembrados, é sempre por algum motivo extra-modernismo —Rubens Borba de Moraes passou à posteridade como bibliófilo; Candido Motta Filho, como avô de Nelson Motta; e Sergio Milliet, por que mesmo?

E qual fã da Semana se lembrará de Tácito de Almeida, Agenor Barbosa e A. C. Couto de Barros? É como se só tivessem existido para fazer número entre o abrir e o fechar das cortinas. E há outro que, não podendo ser extinto da história — afinal, estava lá, no palco, comungando intimamente com os campeões —, foi reduzido ao papel de inimigo: Plínio Salgado.

O processo de depuração da Semana não podia se limitar ao elenco. Era preciso estendê-lo à narrativa — porque aquela que os documentos da época contavam era tíbia, micha, inconclusiva. Em 1972, ano de oba-obas e triunfalismos oficiais, deu-se início à sua atualização. Com base nas versões revistas e ampliadas dos fatos por Oswald a partir dos anos 1940 e, desde então, tomadas como verdades pétreas, saiu toda uma nova história da Semana e do modernismo. Da qual, assim como da infalibilidade do papa — no caso, papas —, não é permitido duvidar.

Em seu Diário Confessional, numa anotação de 23 de janeiro de 1952, Oswald de Andrade cita o então presidente Getúlio Vargas, "numa frase que corre mundo", ligando a Semana de Arte Moderna à "renovação política de 1930". E Oswald acrescenta: "Eu mesmo já juntei, no ano de 1922, dois fenômenos de explosão nacional — a Semana, em fevereiro, e a insurreição do Forte de Copacabana, em julho. E esta prenunciava a revolução de 1924 em São Paulo e o vitorioso movimento de 30". E com isso temos, segundo Oswald, o novo DNA da Semana como um movimento politicamente contestador.

Antes de correr mundo, a frase de Getúlio nasceu num discurso escrito para ele por um de seus assessores no Estado Novo, o poeta Cassiano Ricardo, o mesmo que Oswald, um dia, chamara de "ratazana ao molho pardo" e, depois, pensando melhor, classificaria de "o maior poeta brasileiro". Quanto à relação que Oswald diz ter feito entre a Semana e as insurreições políticas que se lhe seguiram, seria interessante conhecer esse documento — desde que de 1922, não dos anos 40.

Se ele existir, será a revelação de que os homens de 22 contribuíram para a derrubada de um regime, a República do Café com Leite, ao mesmo tempo em que eram seus ardentes partidários. Mas é improvável que tal papel apareça. Em 1922, Oswald, Guilherme de Almeida, Tácito de Almeida, Candido Motta Filho e Rubens Borba de Moraes, filhos de ricas famílias cafeeiras e sem um único dia de trabalho em seus currículos, eram dândis ligados ao PRP (Partido Republicano Paulista), o braço político das oligarquias, liderado pelo então governador de São Paulo Washington Luiz.

O PRP, coadjuvado de longe pelo PRM (Partido Republicano Mineiro), conduzia os destinos da República e, do seu ponto de vista, com grande sucesso — o analfabetismo cobria 70% da população e as eleições eram viciadas para que as sucessões políticas não oferecessem surpresas. O órgão oficial do PRP era o jornal Correio Paulistano, cujo redator político, Menotti del Picchia, ia diariamente ao Palácio dos Campos Elíseos para submeter a manchete e o editorial a Washington Luiz — este, por sinal, crítico ad hoc de dança do jornal.

Em 1922, no Rio, e em 1924, em São Paulo, grupos de jovens oficiais do Exército foram às armas contra o regime. O governo federal esmagou as duas rebeliões, à custa do massacre dos "18 do Forte" por 2.000 soldados nas areias de Copacabana, em 22, e do bombardeio aéreo da cidade de São Paulo, em 24.

Se os modernistas, em pleno tiroteio, escreveram a favor dos insurgentes que estavam dando a vida contra o governo, esses textos também ainda não apareceram. Nem aparecerão, por um simples motivo: eles estavam do lado do governo e indiretamente, os tiros eram também contra eles.

Um relato hilariante seria o do poeta francês Blaise Cendrars. Mal chegado a São Paulo naquele julho de 1924, teve de fugir correndo com seus amigos Oswald, Tarsila, dona Olivia Penteado, Paulo Prado, René Thiollier e outros, rumo às suas fazendas no interior, com as balas zunindo por suas orelhas (Menotti fugiu de trem com o novo governador Carlos de Campos). Terá Blaise se perguntado quem atirava contra quem e por quê? Dias depois, com a derrota dos insurgentes e o restabelecimento do status quo, todos voltaram aliviados para seus salões. O modernismo era o status quo.

A conversão da Semana a um contexto mais conveniente se faz até sozinha. Em muitos artigos e reportagens sobre os desdobramentos revolucionários da Semana, é intrigante a ocorrência de observações como "Não por coincidência, poucas semanas depois, fundou-se o Partido Comunista do Brasil" — como se uma coisa tivesse a ver com a outra. Mas por que teria?

O partido foi fundado sob pesada clandestinidade, no Rio e em Niterói, e, como é óbvio, nenhum jornal noticiou — donde nenhum membro da Semana ficou sabendo. A Semana, por sua vez, também se deu quase na clandestinidade, já que os jornais do Rio e do resto do país a ignoraram e, com isso, nenhum dos fundadores do partido (nem mesmo Astrojildo Pereira, o único intelectual entre eles) tomou conhecimento.

Mas a principal contradição deste "não por coincidência" é que, mesmo que a Semana e o Partido Comunista soubessem um do outro, não podiam estar em lados mais opostos: os comunistas, a fim de ver o sangue dos latifundiários, e os modernistas, filhos dos ditos latifundiários ou comensais de seus salões.

Será possível imaginar o barbeiro Abilio Nequete, primeiro secretário-geral do partido, tendo o presidente Epitácio Pessoa como seu padrinho de casamento com uma tecelã? Não. Mas foi o que aconteceu em 1926, quando Oswald e Tarsila se casaram tendo o presidente Washington Luiz como padrinho. Um momento brilhante da alegre camaradagem entre o modernismo e o poder se deu em maio de 1929, na campanha presidencial de Júlio Prestes, governador de São Paulo e candidato de Washington Luiz à sua sucessão no Catete.

Oswald engajou um certo "Clube da Antropofagia" — o que seria? — nos festejos e promoveu recital no Theatro Municipal, para o qual contratou no Rio o sambista Sinhô e lhe encomendou um samba em homenagem a Júlio Prestes. O qual foi "Eu Ouço Falar" ("Eu ouço falar/ Que para o nosso bem/ Jesus já designou/ Que seu Julinho é quem vem..."), "dedicado a Oswald de Andrade".

Um dos organizadores do evento, o jornalista Raul de Castro, assim o descreveria no Diário Popular: "Depois do espetáculo, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral ofereceram uma festa a Sinhô", escreveu. E continuou: "Também aí o sr. Júlio Prestes, que via com olhos simpáticos o movimento antropofágico, compareceu, para se misturar com Raul Bopp, Rubens do Amaral, Jayme Adour da Câmara, Oswaldo Costa, Nelson Tabajara, Pagu, Celso Antônio, Brecheret, Gilberto Araújo e outros desvairados intelectuais.

A certa altura da festa, Sinhô se instalou no piano e tocou um saracoteado cateretê paulista, para que a cozinheira de Tarsila desse uma demonstração de sua habilidade coreográfica. Não resistindo ao ritmo vivaz da música de sua terra, o [governador] se levantou da poltrona e desafiou a cozinheira de Tarsila para novos passos da dança de terreiro. O acontecimento causou sensação porque o sr. Júlio Prestes se mostrou um hábil dançarino de cateretê".

Infelizmente, o cateretê antropofágico ficaria por ali. "Eleito" presidente em março de 1930, Júlio Prestes não chegou a tomar posse. Com a derrubada de Washington Luiz no dia 24 de outubro e sua substituição por Getúlio Vargas, era o fim da República do Café com Leite. E, desta vez não por coincidência, do modernismo.

Washington Luiz, pedalando o ar, deixou o Palácio Guanabara, no Rio, e foi conduzido ao Forte de Copacabana, onde passou os 30 dias seguintes até ser embarcado para Lisboa. Em São Paulo, Júlio Prestes abrigou-se no consulado inglês, do qual partiu para Londres e, depois, para Paris.

Já as biografias de Oswald, casado então com Pagu, omitem seus passos naqueles dias. Não se sabe se foi procurado, solidarizou-se com os amigos em desgraça ou foi apenas ignorado. Mais provável esta última hipótese, já que Rudá, seu filho com Pagu, nascera apenas um mês antes e não se sabe de fugas ou escapadas do casal. Seria fascinante saber por onde andou Oswald naqueles últimos meses de 1930 (desde que em texto da época, não de 20 anos após o fato), mas isso não é possível.

Nos livros, sua história dá um salto e pula direto para sua conversão política, de um capitalismo liberal e festivo para um ardente esquerdismo, induzido por Pagu. Vira-se mais uma página e, em 1931, já temos um Oswald magicamente "filiado ao Partido Comunista". Mas não há como comprovar essa filiação. Ela não consta dos registros do partido, nem das memórias dos comunistas de então nem dos prontuários da polícia.

Não se sabe se seu nome foi submetido por alguém, severamente analisado e, se aprovado pelo grupo, para que célula ele foi designado e sob a responsabilidade de quem. Fala-se de uma breve aproximação com o jornalista e escritor Pedro Motta Lima, autor do primeiro romance proletário, "Bruaá", de 1929. Mas Motta Lima, assim como Astrojildo Pereira, Otavio Brandão e Leoncio Basbaum, estava sob ameaça de expulsão pelos novos dirigentes operários, empenhados em impor a linha obreirista ordenada pela Internacional.

Eles eram jornalistas e intelectuais, daí sujeitos a "desvios pequeno burgueses". Pois se nomes como aqueles, com uma sólida história no partido, já não eram tidos como confiáveis, imagine Oswald, incapaz de sustentar uma opinião por dez minutos. O próprio jornal "O Homem do Povo", que ele editou com Pagu em 1931 e só durou duas semanas, propunha-se a falar para as massas, mas não conseguia conter sua vocação para a piada. Nenhum homem do povo o lia.

Afastada a hipótese de filiação, restou a Oswald ser, na prática, um torcedor do partido, condição em que acompanhou Pagu em algumas ações, no papel de babá de Rudá — ficava com ele em casa enquanto ela saía com uma arma na bolsa. Como algumas dessas ações se passavam no Rio, dizia-se que Oswald era comunista no Rio e capitalista em São Paulo, onde se sustentava com a venda de terrenos da família — entre outros, o bairro de Cerqueira César, que lhe tomou a vida inteira para liquidar.

As peripécias políticas de Oswald costumam ser confundidas com as de Pagu, esta, sim, militante que pagou o preço — perseguições, risco de vida e 23 prisões. Até que, em 1932, o partido ordenou a Pagu que se afastasse de Oswald, por ele ser "ligado a burgueses". E era mesmo, um desses o advogado Vicente Rao, velho amigo dele e, dali a pouco, ministro da Justiça de Getúlio (1934-37).

A tentativa de atribuir à Semana e a si próprio uma face progressista foi uma preocupação constante de Oswald a partir dos anos 1940. Para isso, precisou "corrigir" fatos, rever opiniões e antecipar datas. Fez isso, por exemplo, na edição de 1940 de seu romance Os Condenados, que ele informa ter "sido escrito de 1917 a 1921".

Mas, ao se ler as últimas páginas de A Escada, terceira parte do livro, o personagem, nitidamente Oswald, renega a sua "cretina aristocracia de artista" e se assume como um soldado "a reboque do proletariado", "preso para sempre às cordas da revolução social". Oswald, em 1921, um soldado a reboque do proletariado e preso às cordas da revolução social? Nossa Senhora Aparecida, sua santa de devoção e a quem ele dedicava livros, não iria gostar.

2.

Mas, de fato, não se pode fugir das coincidências. Terá sido por uma delas que, depois de levar seus primeiros 50 anos em silêncio e sem queixas, tudo tenha mudado para a Semana de Arte Moderna a partir de 1972? Foi o ano em que, às retumbantes comemorações do Sesquicentenário da Independência, somou-se o cinquentenário da Semana, subitamente festejado com pompas. Por que isso de repente?

O escritor Franklin de Oliveira, em A Semana de Arte Moderna na Contramão da História (Topbooks, 1993), não viu nisso uma coincidência. "O mais perverso dos ditadores militares do ciclo de 64, o general Médici, consagrou a Semana de Arte Moderna como o evento central da cultura brasileira contemporânea. (...) Quando a Semana completou 50 anos, [ele] a incorporou ao calendário do putsch que instaurou no país o poder militar."

Outro escritor, Luis Martins, ex-marido de Tarsila, viu nas comemorações um exagero. Para ele, a Semana fora "a batalha de Itararé — aquela que não houve". E Yan de Almeida Prado, veterano da Semana, em seu libelo A Grande Semana de Arte Moderna (Edart, 1976), listou as entidades que inflaram o cinquentenário: o Ministério da Educação, o Conselho Federal de Cultura, o governo do Estado de São Paulo "e outras entidades oficiais e para-oficiais".

Tudo isso resta ser averiguado, mas alguns fatos saltam do noticiário daquele tempo. Na esteira do "Brasil grande" e do "milagre brasileiro", o governo Médici decidiu usar o sesquicentenário da Independência para gerar um sentimento ufanista e positivo, daí buscar no passado "episódios inspiradores" — o principal, trazer de Portugal os ossos de dom Pedro 1º, que chacoalharam durante meses pelo país até ganharem merecido descanso no Museu do Ipiranga.

Todos os ministérios foram chamados a criar eventos. O da Educação era comandado pelo coronel Jarbas Passarinho, não um militar comum. No Pará, fora cronista e editor de revistas de caserna, publicara em 1959 um romance, Terra Encharcada, premiado pela Academia de Letras local, e se achava um intelectual. Sim, é o mesmo que, ministro do Trabalho no governo Costa e Silva, passou à história por sua frase no dia 13 de dezembro de 1968, ao assinar o AI-5: "Às favas os escrúpulos da consciência".

À frente do MEC em 1972, pode ter sido dele a ideia de associar a Semana aos conceitos de "independência e nacionalismo", motes do sesquicentenário, e, com o apelo ao Pau Brasil e à Antropofagia, ao "resgate dos valores indígenas". O órgão executor das comemorações no setor era o Conselho Federal de Cultura, criado em 1967 no governo Castello Branco e cujo primeiro diretor, Josué Montello, declarou ser sua principal atribuição "melhorar a imagem do regime ante os meios de comunicação".

Em 1972, o diretor do conselho era o político e historiador Arthur Cezar Ferreira Reis, próximo de Luiz da Câmara Cascudo e Ascenso Ferreira, modernistas do Norte e do Nordeste. Outro braço do MEC atuante nas comemorações foi o Instituto Nacional do Livro, dirigido pela romancista Maria Alice Barroso.

Ela aprovou a ideia de o INL dividir com a editora Civilização Brasileira a publicação da obra completa de Oswald de Andrade em 11 volumes a preços subsidiados, cada exemplar custando metade que um livro convencional (saíram dez). Por que Oswald, até então um autor invendável, e por que a Civilização? Porque, em 1971, com a perseguição ao editor Ênio Silveira pela ditadura, a Civilização estava sob o comando de Mario da Silva Brito, velho amigo de Oswald e autor de "História do Modernismo Brasileiro", então a Bíblia da Semana.

Os subprodutos das comemorações foram muitos. Oswald e Mário de Andrade, este com sua obra na Martins, tornaram-se questões do vestibular, o que fez de seus livros leitura obrigatória pelos estudantes. A USP comprou a coleção e o arquivo de Mário. O governo de São Paulo adquiriu a biblioteca de Guilherme de Almeida e fez da sua casa um museu.

Houve uma grande exposição no Masp. E o próprio Ministério das Relações Exteriores, sob o embaixador Mario Gibson Barbosa, promoveu uma exposição, Brasil - 1º Tempo Modernista 1917-29, que levou o ano circulando pelas embaixadas do Brasil na Europa e na América Latina.

A ideia de o governo exibir a Semana como um momento de rebeldia da cultura brasileira não se chocava com o fato de que, em 1972, a imprensa estava sob censura, o governo institucionalizara a tortura e, sob o decreto 477, professores e estudantes acusados de subversão podiam ser expulsos e presos. Afinal, em 1922, não havia contradição entre o palco do Municipal e a República do Café com Leite.